Tive que me fazer de morto, diz sobrevivente de ataque em MT
O maranhense William Pereira de Oliveira Filho, de 25 anos, falou sobre os momentos de terror que viveu na madrugada da última quarta-feira (27), quando sobreviveu a uma tentativa de chacina em Rondonópolis (a 216 quilômetros de Cuiabá).
Abaixei a cabeça do meu amigo e a bala tava comendo, tiro no 12, neguinho correndo pra um lado, neguinho correndo pro outro
No atentado, duas pessoas morreram e duas ficaram feridas, entre elas William. A Polícia Civil prendeu dois militares sob a suspeita de ter cometido o crime.
O rapaz afirma que foi acordado com os tiros e não teve tempo sequer de tentar correr.
“Acordamos quando o carro chegou atirando. Abaixei a cabeça do meu amigo e a bala tava comendo, tiro no 12, neguinho correndo pra um lado, neguinho correndo pro outro. E eu já mandava os outros correrem”, afirmou.
“Como que corre? Foram quatro tiros só em mim. Na segunda vez [que eles passaram] ainda tive que me fazer de morto”, completou a vítima.
William disse que não temeu a morte, mas que ainda está sem entender como dois policiais foram capazes de cometer um crime como esse e, além de matar seus amigos, acabar com a própria vida.
“Se Deus me levasse era mais um. Nós não fazemos mal a ninguém, vivemos na rua, ajudando todo mundo aqui, ando com seu Marlos [coordenador da casa de acolhimento], trabalho”, afirmou.
“Acho uma barbaridade. Um cara vai estudar para ser uma coisa que ele quer ser na vida e faz uma merda dessas. Ele estragou a vida dele”, disse.
O rapaz levou quatro tiros, nas nádegas, costelas e nas pernas. “Ainda sinto muita, muita dor, estou cansado, tem hora que fico meio tonto, que eu penso em coisas tão ruins”.
Uma das balas, a que atingiu suas nádegas, não pôde ser retirada, pois ficou alojada em uma região bastante sensível.
William diz que em seus 12 anos morando na rua nunca sofreu nenhum tipo de ataque, e que depois que ficar 100% recuperado voltará para as ruas.
“Não tenho medo de voltar pra rua, não. Sempre fui assim, a minha vida é na rua. Não dependo de ninguém, vivo a minha vida de um lado pro outro, só não faço é roubar e não faço mal a ninguém”, afirmou.
Família
William saiu de casa no Maranhão muito jovem, com 13 anos, e já morou em várias cidades de Mato Grosso.
“Eu saí de casa meio desorientado, abaixei a cabeça e fui embora. Saí jogado, não dei notícia pra pai nem pra mãe, fui dar notícia depois de uns quatro anos”.
São cerca de 12 anos na rua e entre suas andanças Willian já morou em Cuiabá, Sorriso, Sinop e em Lucas do Rio Verde.
Após o ataque, a mãe de William quis levá-lo de volta para o Maranhão, mas ele não aceitou. “Considero eles [amigos da rua] como a minha família”.
Crente em Deus e como ele mesmo diz “em todas as religiões”, William diz sonhar em ser feliz e isso ele já consegue vivendo na rua.
“Meu sonho é ser feliz e que Deus bote eu em um bom lugar, não quero ser rico, ter carro, quero viver a minha vida normal. Esse é o meu sonho, estar com os meus amigos do lado. Me considero muito feliz estando na rua, muito”, disse.
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