Áudio de Cid expõe PF e Moraes a paralelo com Moro e Lava Jato

O áudio em que o tenente-coronel Mauro Cid critica a condução de sua delação premiada expõe a Polícia Federal e o ministro Alexandre de Moraes a paralelo com episódios que anos depois viraram ponto central das críticas à Lava Jato, pela metodologia usada por procuradores e pelo ex-juiz Sergio Moro.

 

Nos áudios revelados pela revista Veja, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) acusa a PF de tentar criar narrativas e afirma que Moraes, magistrado do STF (Supremo Tribunal Federal) que homologou a colaboração premiada, “já tem a sentença pronta” antes do final das investigações.

 

Ele também diz que a Polícia Federal “não quer saber a verdade” e já está com a “narrativa pronta”.

 

Em depoimento prestado nesta sexta (22), Cid recuou do teor das afirmações no áudio e negou que tenha sido coagido pela PF a dar as declarações em sua delação premiada. Na oitiva, ele reafirmou os termos da sua colaboração e atribuiu a um momento de “desabafo” o conteúdo divulgado pela publicação: “Quer chutar a porta e acaba falando besteira”, declarou.

 

Cid foi preso preventivamente após esse novo depoimento, por descumprimento das medidas cautelares e por tentativa de obstrução de Justiça.

 

Essa foi a primeira delação envolvendo apurações que envolvem o último ex-presidente. As investigações têm encontrado indícios de crimes cometidos por ele e por seu núcleo próximo em várias frentes, como no caso da falsificação de cartões de vacina para a família de Cid e do próprio Bolsonaro. A PF entregou nesta semana o relatório final, indiciando 17 pessoas no total pela suspeita dos crimes de inserção de dados falsos em sistema público e associação criminosa.

 

Na Lava Jato, diversas acusações passaram a surgir ao longo do avanço das fases da operação, principalmente sobre os procuradores que tocavam as apurações e Sergio Moro, hoje senador pela União Brasil-PR. Parte das denúncias foi reforçada pela revelação de mensagens hackeadas dos celulares dos integrantes do Ministério Público Federal de Curitiba.

 

Os defensores do trabalho de Alexandre de Moraes rejeitam qualquer tipo de comparação com Moro e apontam a importância do seu trabalho para desvendar ações criminosas e paralisar tentativas golpistas. Dizem também que a delação fechada até o momento foi relevante para a única investigação finalizada e deu passos importantes para entender toda a trama golpista que foi articulada no fim do governo Bolsonaro.

 

Como mostrou coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha, os diálogos divulgados pela Veja também levantaram suspeita em uma ala do STF de que são uma tentativa de “armação” de bolsonaristas para tentar desqualificar as investigações.

 

No caso da Lava Jato, um dos principais delatores, o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar afirmou em 2022 que sofreu pressão para envolver Lula (PT) em seu acordo de colaboração.

 

Alencar disse ter sido pressionado a chegar “ao limite da verdade” para a delação atingir o petista, que seria a vontade dos responsáveis pela operação. Ele também afirmou que sabia de casos de outras pessoas que teriam sido dispensadas de prestar depoimento quando teria surgido o nome do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), à época principal adversário político do PT.

 

Cid, por sua vez, afirmou nos áudios que a Polícia Federal não aceita todas as suas versões e tenta conduzir a delação independentemente da veracidade das informações.

“Eles [os policiais] queriam que eu falasse coisa que eu não sei, que não aconteceu”, diz Cid nos áudios, a um interlocutor não identificado.

 

E prossegue: “Você pode falar o que quiser. Eles [os policiais] não aceitavam e discutiam. E discutiam que a minha versão não era a verdadeira, que não podia ter sido assim, que eu estava mentindo”.

Moro tornou-se alvo de inquérito no STF ano passado sob suspeita de fraudar delações premiadas, o que ele sempre negou.

 

No caso do ex-juiz e atual senador, a apuração foi aberta por ordem do ministro Dias Toffoli, do STF, para apurar relatos do ex-deputado estadual Tony Garcia. Ele disse ter sido obrigado a gravar pessoas de forma ilegal a pedido de Moro e afirmou que investigadores falavam em possível rompimento de seu acordo de delação, o que extinguiria seus benefícios.

 

“De acordo com o declarante, a todo momento havia intimidações de que, caso ele não colaborasse da maneira exigida, o acordo seria rescindido, com a consequente prisão de Tony Garcia e de seus familiares, além da expropriação de seus bens”, diz documento da PF.

 

Cid fez relatos similares. Disse que foi intimidado a falar o que a PF queria e que houve insinuação de que, caso isso não ocorresse, ele poderia perder os benefícios da delação premiada.

 

“Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa deles. Entendeu? É isso que eles queriam. E todas as vezes eles falavam: ‘Ó, mas a sua colaboração. Ó, a sua colaboração está muito boa”, diz o militar na gravação.

 

Nos áudios, Cid também afirma que Moraes já tem a condenação pronta. “O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR acata, aceita e ele prende todo mundo”.

 

Quando magistrado, Moro foi acusado de formar convicção sobre investigações que ainda não tinham sido finalizadas. No caso do pecuarista José Carlos Bumlai, por exemplo, isso ocorreu porque ele proferiu sentença para condená-lo a 9 anos e 10 meses de prisão apenas dois minutos após os advogados apresentarem suas alegações finais no processo.

 

Críticas sobre uma possível atuação de Moraes nos moldes da Lava Jato viraram comum nos inquéritos que estão sob seu comando, na maioria das vezes com apoio da corte.

 

Entre as ações alvo de questionamento estão as prisões preventivas alongadas, inquéritos com prazo indeterminado e a concentração das apurações relativas a Bolsonaro.

 

Parte dos críticos também vê a premissa de “fishing expedition” (uma referência, em português, a “pescaria de provas”). Ou seja, situações em que o Judiciário determina uma medida investigativa para apurar uma situação específica, mas acaba buscando provas relacionadas a outros casos.

 

O tenente-coronel Cid foi preso em maio porque teria participado de um esquema de inserção de dados falsos de vacinação de Bolsonaro e outras pessoas no sistema do Ministério da Saúde. Na sua delação, contudo, as revelações sobre esse delito são as menos importantes.

 

Na colaboração premiada, o militar fez relato da suposta participação de Bolsonaro na venda de joias recebidas de autoridades estrangeiras, além de ter dado detalhes de uma reunião em que o ex-mandatário teria consultado a cúpula das Forças Armadas sobre a possibilidade de um golpe de Estado para se manter no poder.

 

A reportagem questionou a Polícia Federal e o ministro Alexandre de Moraes sobre as comparações de seus métodos com os da Lava Jato, mas não obteve resposta.

 

Ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol disse que a “Lava Jato nunca fez isso” que “está acontecendo agora no STF”.

 

“É surreal ver quem atacou e criticou tanto a Lava Jato em nome de direitos silenciar agora ou, pior, endossar e apoiar o que está acontecendo”, afirmou em rede social Deltan, que foi eleito deputado federal e acabou cassado pelo TSE.



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