Consigo fazer movimentos que nunca conseguiria com as mãos
O médico especialista em cirurgia bariátrica Juliano Canavarros é um dos pioneiros no uso da robótica em procedimentos cirúrgicos em Mato Grosso. Há mais de três décadas na Medicina, ele afirma que os robôs possibilitam uma precisão superior e constituem uma revolução na área.
Consigo fazer movimentos que não conseguiria com a mão; o robô não deixa a pinça tremer
Canavarros pontua que a robotização da medicina confere aos pacientes um, também, um tempo de recuperação mais rápido e cirurgias mais seguras por reduzirem a possibilidade de erros.
“É muito mais difícil e, se o cirurgião errar, o robô vai informar e estará registrado. Existe um mecanismo de segurança. A robótica permite uma dissecção muito precisa, não fica com áreas para doer e inflamar. Fica só o necessário”, explicou, em entrevista ao MidiaNews.
O problema mais limitante, segundo o médico, ainda seria o preço. A “taxa do robô” custa em torno de R$ 14 mil, valor que muitos pacientes não podem pagar.
“Não é todo paciente que tem condição para pagar a ‘taxa do robô’, porque é um investimento altíssimo e os planos de saúde não estão pagando, porque a cobertura tem que estar no rol da Agência Nacional de Saúde [ANS]”.
Canavaros ainda afirmou ser um entusiasta da cirurgia robótica nas faculdades. Ele considera que o estudo da tecnologia aplicada à medicina é benéfico à sociedade e que o Governo Federal deveria investir na capacitação.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Quais são as etapas para que um médico seja habilitado a fazer cirurgias robóticas?
Juliano Canavarros – O processo é se cadastrar em algum curso credenciado às entidades maiores de cirurgia, como o CBC [Colégio Brasileiro de Cirurgiões], CBCD [Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva] ou institutos diretamente ligados à empresa que é a dona do robô.
O médico faz curso teórico e prático com simulações. Tive que ir várias vezes a São Paulo, no LEPIC [Laboratório de Ensino, Pesquisa e Inovação em Cirurgia], no centro de treinamento da USP [Universidade de São Paulo] fazer as simulações para ser considerado apto, senão o profissional é obrigado a repetir as simulações.
O robô te avalia em todas as cirurgias feitas. Por exemplo, se fiz uma cirurgia, ele [robô] fala: “Essa cirurgia você fez em tantos minutos e no mundo há profissionais que fazem em ‘tantos’ minutos”.
É impressionante. Quando o médico sai do simulador e faz uma cirurgia na pessoa, o cirurgião é acompanhado por um profissional mais experiente, que será seu professor. Ele está ao lado e vai na tela do robô desenhar, dizendo “acho que você deve dissecar por esta parte”. Na hora que o cirurgião está com o olho no console, aparece o risco que ele fez em cima do tecido. A máquina, depois, te dá o feedback para melhorar cada vez mais
MidiaNews – Quando o senhor começou a se interessar por cirurgias robóticas?
Juliano Canavarros – Vou muito a congressos fora do país e observei que o mundo estava despertando o interesse pela cirurgia robótica. Procurei saber porquê isso estava ocorrendo. Os médicos ficam em uma zona de conforto, operam cirurgia laparoscópica todos os dias e, de repente, tem outra plataforma.
Depois entendi o porquê. É absurdamente superior a qualidade da visão dentro do espaço intra-abdominal, da dissecção de uma parede abdominal. É o detalhamento. O cirurgião consegue fazer uma cirurgia com muito mais cuidado.
MidiaNews – O uso da robótico torna erros médicos mais difíceis de acontecerem?
Juliano Canavarros – Muito mais difícil e, se o cirurgião errar, estará registrado. Se ele começa a errar, o robô vai informar: “Alerta”.
Nós usamos o console, ou seja, o médico põe o olho no óculos e, se alguém o chamar, o robô para a cirurgia imediatamente. Existe todo um mecanismo de segurança
Eu, por exemplo, estou com 59 anos. Daqui a dez anos, estarei com 69 e começam os tremores nas mãos. O robô tira o tremor, porque não deixa tremer a pinça lá dentro. É muito interessante. A segurança que o robô oferece é impressionante.
MidiaNews – A robótica pode trazer mais benefícios aos pacientes que passam por cirurgias abdominais?
Juliano Canavarros – O cirurgião consegue ir dentro do tórax e ver coisas que a laparoscópica não permite.
Vi uma apresentação em São Paulo de um grupo fazendo cirurgia laparoscópica de um tumor de mediastino e outro operando o mesmo tumor, mas usando a robótica. Foram ver a eficácia das cirurgias e quem fez com laparoscópica tirou 8 gânglios, enquanto quem fez com a robótica tirou 32 gânglios. Muito mais preciso. Foram na cadeia ganglionar e tiraram tudo que poderia causar problemas. Provou que é mais eficaz.
MidiaNews – Considera que a robótica também traz mais conforto tanto para o paciente quanto para o cirurgião?
Juliano Canavarros – Deixa eu te responder com um exemplo: operei uma enfermeira e a tarde ela estava na rede social elogiando a cirurgia. Quer dizer, como ela estava tão feliz?
Eu estava receoso nas primeiras cirurgias que fiz, agora fica mais natural. Consigo fazer movimentos que nunca conseguiria com a mão
Muitos pacientes dizem que não sentiram nada. Operei um senhor de Rondonópolis que tinha uma hérnia grande na parede abdominal. Ele falou: “Não parece que operei”. Outro senhor era relativamente obeso, tinha hérnia bilateral, e disse a mesma coisa.
A cirurgia robótica permite uma dissecção muito precisa, então o profissional não fica com áreas cruentes para doer, inflamar, só o necessário. Quando a recuperação começa, há muito menos trabalho a ser feito.
Os médicos ainda passam pela curva de aprendizado. Por exemplo, eu estava mais receoso nas primeiras cirurgias que fiz, com bastante preciosismo. Agora, depois da habilitação [em cirurgia robótica] fica mais natural. Consigo fazer movimentos que nunca conseguiria com a minha mão dentro [da região intestinal]. Primeiro que não tem espaço na parede abdominal para caber a minha mão, mas a mão do robô entra para fazer uma dissecção. Ele consegue múltiplos movimentos.
MidiaNews – O custo de uma cirurgia robótica é o mesmo? O quão acessível é?
Juliano Canavarros – Esse é o fator limitante, porque não é todo paciente que tem a condição para pagar a “taxa do robô”, porque é um investimento altíssimo feito pelo hospital e os planos de saúde por enquanto não estão pagando, porque a cobertura tem que estar no rol da Agência Nacional de Saúde [ANS]. Eles estão esperando estar na hall para liberarem.
Essa taxa, no Hospital Santa Rosa, fica no entorno de R$ 14 mil e no Hospital São Mateus R$ 12 mil, mas os robôs são praticamente os mesmos. O robô com todos os componentes e materiais custa R$ 25 milhões. É um robô que permite fazer cirurgia abdominal, torácica, ginecológica…
Alair Ribeiro/MidiaNews
O especialista considera que a “taxa do robô” cobrada é inacessível para muitos pacientes
MidiaNews – Considera que as faculdades de medicina estão inserindo a robótica no ensino?
Juliano Canavarros – A Faculdade Albert Einstein foi a primeira a inserir. Os alunos têm o contato com o robô, com simuladores, e é muito bom. Vai sair uma galera bem mais preparada.
O retorno disso é muito grande socialmente. Se eu fosse reitor de uma faculdade de medicina, ia querer ter o ensino da robótica, porque seria um ganho de qualidade imenso para o paciente.
MidiaNews – Como Mato Grosso está posicionado no cenário nacional da cirurgia robótica? Tem um bom envolvimento com esta tecnologia?
Juliano Canavarros – No Centro-Oeste, Mato Grosso. só perde para Brasília. Está avançado. Goiânia tem um robô, Mato Grosso do Sul não tem nenhum robô e Cuiabá tem dois.
E, se vier outra rede grande de hospitais, com certeza vai trazer porque, senão, não consegue nem competir. O foco agora é capacitar profissionais e, por incrível que pareça, nem todo mundo acha importante. Não consigo entender.
MidiaNews – O gasto com a capacitação dos médicos é alto?
Juliano Canavarros – É alto. Estou precisando mandar um assistente para ser o médico que fica ao lado do paciente, esse profissional tem que ser capacitado, tem que ter o curso, porque é a mesma coisa que o teu copiloto não ter a carteira de aviação. Vai que acontece alguma coisa?
A capacitação é R$ 30 mil. São três fins de semana. Você vai na quinta, fica até domingo. Uma imersão mesmo.
MidiaNews – A Inteligência Artificial (IA), de alguma forma, pode ajudar a medicina? Há estudos sobre isso?
Juliano Canavarros – Já ajuda muito. Hoje, há programas de IA que, em consultas, ouvem o que está sendo falando e montam um prontuário. Já tem empresas investindo nisso, é absurda a quantidade de startups nessa área.
É absurda a quantidade de startups nessa área, vai se abrir um leque de possibilidades
Vai se abrir um leque de possibilidades daqui para frente, cada vez aparecem mais profissionais que não víamos nessa relação médico-paciente. Há muitos anos, na minha época de estudante, comecei a ver bioengenharia com engenheiros que estudavam a área médica ou faziam medicina para entender articulações, por exemplo, para desenvolver uma prótese.
MidiaNews – O senhor tem 35 anos de carreira. Então, pegou uma fase da medicina brasileira na qual não havia tantos recursos tecnológicos. O avanço da tecnologia te assusta?
Juliano Canavarros – Ao contrário, me estimula. Tenho um filho estudando medicina, quero que ele seja estimulado. Quanto mais tecnologia e segurança para quem está usando o seu serviço, muito melhor. Ou você “embarca” na tecnologia ou vai ficar para trás, não tem jeito.
Hoje, você recebe as aulas de medicina em um programa com o conteúdo. Os pacientes analisam tudo de maneira tridimensional, com interação. Isso era impensável para mim. Eu chegava na biblioteca, pegava um fichário, porque precisava de um artigo, falava com o bibliotecário. Ele ia, separava o artigo e te entregava. Assim que era.
MidiaNews – Qual a importância de difundir o ensino da robótica nas faculdades brasileiras de medicina?
Juliano Canavarros – O paciente sempre é o nosso objetivo final. Ele é rei, temos que fazer tudo por ele, então queremos o melhor. Isso é o que determina o Código de Ética.
Antigamente, para fazer uma incisional, havia um corte gigante no paciente. Os médicos metiam a mão, davam ponto na aponeurose, botavam telas sobre a aponeurose. Hoje uma sala de robótica parece outro mundo, até quem limpa a sala acha interessante e fica assistindo.
MidiaNews – Acredita que chegará um momento no qual os robôs poderão operar com total autonomia, ou seja, sem o comando de um médico?
Juliano Canavarros – Acho que é extremamente viável. Muita gente vai me chamar de louco por estar respondendo isso, mas do jeito que vejo a coisa caminhar… Vamos pegar como exemplo a análise de uma radiografia. Quantos Raios-X vi na vida? Talvez uns dez mil.
O robô já leu um bilhão de Raio-X, então a Inteligência Artificial está lendo todos que são digitalizados. Há trabalhos provando que, especificamente na radiologia, um laudo radiográfico é muito melhor feito pela máquina do que pelo ser humano. Isso já é fato.
E você acha que a Inteligência Artificial vai parar só no Raio-X? Não vai.