MidiaNews | Vai um breu aí?

Estou ficando cada vez mais estarrecido com a ridicularização completa da corte suprema brasileira. Não, minto, estou enganado. Pensando melhor, creio que eles sempre conseguirão se superar no quesito ridicularização.

 

O tema, polêmico, que irei abordar hoje é a legalização do consumo de uma droga ilícita: a maconha.

 

Como autorizar que se consuma algo que é proibido produzir e comercializar?

 

Vamos discorrer sobre isso.

 

Não há como combater a criminalidade sem atacar todos os seus flancos, e, no caso das drogas, isso deve chegar também ao usuário

Estamos num momento tão bizarro da nossa corte suprema que quase chego a acreditar que a supremacia da corte é fazer bizarrices. 

 

Imaginem vocês se eles, doutos ministros do STF, que passarei a tratar a partir de agora de “excelentíssimos supremos corteanos”, passassem a discutir qual o valor de um produto furtado ou roubado que cada um pudesse possuir ou portar para não ser considerado crime. Pois é exatamente isso que estão discutindo, só que com relação à maconha.

 

Se se legaliza que alguém possua ou porte algo de procedência ilícita, por certo a consequência disso será a legalização de sua origem e, por fim, sua própria legalização.

 

Se se pode legalizar o porte ou a posse da maconha, fico realmente preocupado com o que mais poderá ser incluído nesse leque de opções de liberalidades criminais que estamos vivenciando.

 

Não há como combater a criminalidade sem atacar todos os seus flancos, e, no caso das drogas, isso deve chegar também ao usuário. Ninguém produziria ou comercializaria algo que ninguém quisesse consumir. Dessa forma, assim pensando, obviamente que o usuário, como destinatário final das drogas, deveria sim ser exemplarmente punido. O que não ocorre.

 

Nossos “excelentíssimos supremos corteanos” estão se mostrando alheios às mazelas brasileiras ao pautarem questões que já estão pautadas na legislação em vigor. O artigo 28 da Lei de Drogas não penaliza o consumo de drogas ilícitas, não só a maconha, mas todas, com pena privativa de liberdade (prisão), e, com isso, ele praticamente permite que haja o consumo, deixando para a autoridade policial e judiciária a análise do caso concreto, ou seja, se aquela pessoa pega com aquela quantia de drogas (não só a maconha, mas todas) estava em curso de crime de tráfico de drogas ou de porte/posse para consumo.

 

Referido artigo entrou em vigor no ano de 2006 e trouxe um grave problema para os aplicadores da lei: se a pessoa que é pega com drogas que não seja para o tráfico, o que devemos fazer com ela, eis que não há pena privativa de liberdade (prisão) para esse fato?

 

O legislador da época parece que queria desde então legalizar o consumo, mas o fez de forma acanhada e se atreveu a não impor pena de prisão a quem fosse flagrado com drogas (qualquer uma) para consumo próprio.

 

Vou aprofundar um pouco, permitam-me.

 

A lei de drogas anterior à que citei previa pena de detenção de até 2 anos para o sujeito que era flagrado com drogas (qualquer uma) para consumo. Com isso, o delegado de polícia, ao autuar referido sujeito, propunha a ele que assumisse o compromisso de responder por seu ato no Juizado Especial Criminal (conhecido popularmente como juizado de pequenas causas). Caso ele aceitasse o compromisso, era posto em liberdade. Caso não (nunca vi de alguém não aceitar), ele seria autuado em flagrante e mantido preso até decisão judicial, eis que era prevista uma pena privativa de liberdade (prisão) de 2 anos de detenção.

 

A partir da vigência do citado artigo 28 da atual Lei de Drogas, se o sujeito que for pego com drogas (qualquer uma) para consumo não aceitar assumir o compromisso de responder por seus atos junto ao Juizado Especial Criminal, ele simplesmente deverá ser colocado em liberdade como se tivesse aceitado, pois não há pena privativa de liberdade (prisão) prevista para esse fato.

 

Extrai-se disso que não há como autuar em flagrante alguém por um crime que não prevê pena privativa de liberdade (prisão). No caso em questão, o crime de posse ou porte de drogas para consumo próprio (de qualquer droga).

 

Resumindo, se não há como prender alguém pelo fato de estar portando ou ter em seu poder determinada quantia de drogas (qualquer uma) para consumo, está, na prática, liberado o consumo. Não é…? Não, mas é quase.

 

E se é isso, ainda que quase, por que discutir o tema na Suprema Corte Brasileira?

 

Caro leitor, estou tentando ser o mais didático possível para dizer a você que não há porque discutirmos a quantidade de maconha (que é o tema da vez dos “excelentíssimos supremos corteanos”) que deve ser permitida portar ou possuir para consumo próprio, pois a própria lei já permite qualquer quantidade de quaisquer drogas (qualquer uma), desde que não seja demonstrado que era para a comercialização. O máximo de prejuízo que pode dar ao autor do ilícito é perder a droga.

 

Caso seja legalizada determinada quantidade de maconha para consumo pelos nossos “excelentíssimos supremos corteanos”, esse prejuízo da perda da referida droga não ocorrerá. Uma tão pequena mudança para um tanto de discussão, não acham…

 

Não dá para mensurar abstratamente, e isoladamente, a quantidade de drogas que uma pessoa possa portar ou possuir para ser considerada usuária. O pequeno traficante, também chamado de formiguinha, leva consigo sempre pequenas quantidades, até para não perder tudo o que tenha disponível para venda caso seja detido. Somente no caso concreto que podemos definir se aquela quantidade era destinada a consumo ou a comércio.

 

Eu já fiz o flagrante de um traficante que foi pego com apenas 2 (duas) trouxinhas de pasta base de cocaína (cerca de 0,10 g). E ele foi condenado por tráfico. O que nos permitiu, a mim e à autoridade judiciária, concluir isso? A análise de toda a situação, e não somente a quantidade.

 

Fico tendente a concluir que o que os nossos “excelentíssimos corteanos supremos” querem no momento é desviar a atenção da sociedade de outras coisas mais importantes e relevantes para todos, para que fiquemos distraídos com essas questões já amplamante resolvidas e pacificadas, que continuarão permitindo que o sujeito pego com 2 (duas) trouxinhas de qualquer droga, inclusive a maconha, continue sendo autuado em flagrante e condenado por crime de tráfico.

 

Quanto à liberação das drogas, ou apenas da maconha, não é o objeto do presente, eis que mereceria mais ampla abordagem. Contudo, quanto a esse assunto, digo que não devemos discutir o que é melhor para o nosso país nos baseando no que deu certo ou errado em outros países. Afinal, cada país tem sua cultura, seus costumes, suas peculiaridades. 

 

Sugiro a todos que analisem o nosso país segundo o que acontece no nosso país, sem compararmos com qualquer outro, seja mais ou menos desenvolvido.

 

Diante disso tudo, vamos esquecer esse debate de legalização de determinada quantidade de maconha para consumo, garanto a vocês que, na prática, não será legalizada como parece que nossos “excelentíssimos corteanos supremos” estão tendente a fazer, eis que os sujeitos que forem detidos com pequenas quantidades de maconha, ou qualquer outra droga, continuarão sendo presos em flagrantes por crime de tráfico de drogas se as circunstâncias assim permitirem.

 

Flávio Henrique Stringueta é delegado da Polícia Civil de Mato Grosso



Mídia News