O Homem não é Bom nem Mau

No Brasil cerca de 80% dos habitantes são cristãos. Destes, 50% são católicos e uns 35% evangélicos. Outros 15%, mesmo professando outras religiões ou nenhuma, também acreditam integralmente na Bíblia Sagrada.

 

Como parte da minoria brasileira não crente, faço uma leitura alternativa da criação do homem contada pelo famoso livro cristão.

 

Os primeiros humanos, na narração mitológica do Jardim do Éden, foram criados do pó da terra. Tinham uma vida de pura moleza, com poucas restrições:

estavam proibidos de comer uma única fruta de todas as que existiam no Paraíso.  Com tanta fartura à disposição (sei lá: jabuticaba, mamão, gabiroba, goiaba, manga, bocaiuva..), desobedecendo a ordem recebida implicaram em comer justo aquela (parece que era a maçã), proibida pelo Criador. O relato afirma que foram convencidos pela cobra, bicho de má fama e nenhuma credibilidade, além de feio, gosmento e repulsivo.  Se fosse o chimpanzé, vá lá, afinal era o único parente próximo que o primeiro casal tinha, embora fosse um pouco mais burro e muito mais feio.

 

Aí, o Senhor, que é um pai bondoso, mas muito bravo, ficou irado e expulsou os filhos de casa. Eu acho que foi exagero. Bastava passar uma carraspana neles, deixar uns dias de castigo sem nadar no Tigre ou pescar no Eufrates, ou, de repente, para exagerar na maldade, bloquear a internet por duas horas 

Expulsos, com uma mão na frente, outra atrás foram embora para ganhar a vida na terra bruta, sem ferramentas para cavar o solo e sementes pra plantar lavouras. Mas se viraram: por certo colheram frutas no mato, caçaram alguns bichinhos distraídos e cataram ovos das aves silvestres. Isso foi possível porque naquele tempo a caça ainda não era considerada um crime hediondo.  Só mais tarde plantaram lavouras. Por sorte ainda não tinha o Ibama, senão até conseguirem uma licença ambiental já teriam morrido de fome.

 

Tiveram dois filhos, Abel e Caim, que pelo jeito não se davam bem. Tanto que Caim matou o irmão porque este conquistou a preferência do avô (o criador de seus pais) num ritual de oferenda de alimentos.

 

Milênios depois vieram alguns descendentes dessas primeiras pessoas tentar explicar porque os homens sãos maus. Um filósofo francês, Rousseau, disse que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Outro, Hobbes, este inglês, escreveu que nasce mau e a sociedade o molda, melhorando sua índole.  

 

Se Caim nasceu bom, como foi corrompido se na época não tinham drogas, bebidas, funk ostentação, políticos corruptos e más companhias? Seu mau comportamento desmerece a tese de Rousseau. 

 

É provável ter nascido mau e a sociedade: pai, mãe, irmão e uns trinta macacos agregados que sabiam falar melhor que a cobra, não conseguiu transformá-lo, comprometendo a ideia de Hobbes.

 

O juízo de valor é uma prerrogativa humana. A natureza não está nem aí.  Para ela a cobra e o urubu não são maus, nem o coelho e o beija-flor, bons. Apenas são o que são.

 

Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor



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