Pesquisador: MT já viveu secas extremas no passado; é cíclico

Mato Grosso vive atualmente o pior período de estiagem dos últimos anos. Só na capital Cuiabá, já foram mais de 150 dias sem chuva. 

 

A população […] está crescendo exponencialmente e os nossos recursos hídricos continuam os mesmos para muito mais gente

Para o pesquisador Rubem Mauro Palma de Moura, que é engenheiro civil especialista em hidráulica e saneamento, a seca é grave, mas não é a primeiro e nem será a última.

 

Para o professor, a falta de chuvas vivida atualmente é cíclica e não pode ser a atribuída a ações do homem, como poluição e desmatamento, causadoras das mudanças climáticas e do aquecimento global.

 

Em defesa de seu ponto de vista, ele cita secas históricas do passado, como a de 1856 e a de 1963 a 1973.

 

“Na década de 1960, que foi a seca que é a única que nós temos dados históricos para mostrar, ela foi de 1963 até 1973. Nessa época não tinha [quase nada] desmatado. […] Nós não tínhamos nenhuma atividade no Cerrado e nós tivemos essa seca que demorou dez anos”.

 

Rubem Mauro falou também falou sobre a importância da usina de Manso em manter um nível considerável de água no Rio Cuiabá, que só não está tão baixo graças à usina. Além disso, temos os mesmos recursos naturais, mas para atender muito mais gente. 

 

Confira os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Recentemente o senhor escreveu um artigo dizendo que a seca atual não é a primeira e nem a última e que tampouco pode ser atribuída somente a poluição e desmatamento. O senhor pode nos explicar esse ponto de vista?

 

Rubem Mauro – Porque na década de 1960, que foi a seca que é a única que nós temos dados históricos para mostrar, ela foi de 1963 até 1973. Nessa época não tinha [quase nada] desmatado. Não existia nem a [rodovia] Cuiabá-Santarém, que começou a abrir em 1972. Nós não tínhamos nenhuma atividade no Cerrado. E nós tivemos essa seca que demorou dez anos.

 

Sendo que, em 1964 e em 1969 passaram 44 metros cúbicos por segundo aqui [no Rio Cuiabá]. É uma coisa tão aberrante que naquela época a vazão média do Rio Cuiabá era de 80 m³ por segundo. Eu me lembro de ver gente atravessando o rio com água na cintura. Eu vi isso.

 

Nas minhas pesquisas que eu fiz na biblioteca da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, descobri [medidas] proibindo a pesca com rede no Rio Cuiabá em 1856. Por quê? Aí vem uma ilação que pode ser verdadeira: por que estavam proibindo?

 

Enfrentávamos uma seca. Tudo isso me leva à conclusão de que isso não é uma ilação sem base, é uma ilação com base.

 

 

MidiaNews – O senhor cita essas graves secas ocorridas nos anos 1850 e 1960. Elas foram tão graves quanto a de agora?

 

Rubem Mauro – Elas foram aqui no Rio Cuiabá mais graves. Por quê? Por causa de Manso.

 

Se não fosse Manso, estariam passando aqui esses 44 m³/s da década de 1960. No entanto, estão passando aqui 99 metros cúbicos por segundo em medição que nós fizemos recentemente, no dia 4 de setembro.

  

Então, aquelas secas passadas foram mais graves. Se essa situação se repetisse hoje sem Manso, o Rio Cuiabá estaria fedendo e morrendo peixe, pois o rio não teria capacidade de diluir o esgoto lançado por essa metrópole, que é Cuiabá e Várzea Grande, com quase um milhão de habitantes.

 

 

MidiaNews – Não teme que que possa chegar um ponto em que Cuiabá e grande parte de Mato Grosso ficará inabitável por falta de água, pela seca severa e falta de qualidade no ar?

 

Rubem Mauro – Não sei dizer. O que está acontecendo nessas queimadas, além da seca severa, é a ação do homem. Você pode ver o quanto estão prendendo de gente que está botando fogo contratado por alguém. O homem tem interferido muito nessas queimadas. E às vezes, e talvez eu possa até falar errado, mas muitos desses incêndios são criminosos.

 

MidiaNews – Neste momento de seca, qual é a importância da barragem de Manso para o abastecimento em Cuiabá e Várzea Grande?

 

Rubem Mauro – A minha dissertação de mestrado foi sobre Manso. E eu falo o seguinte: por terem ocupado mal o solo urbano aqui em Cuiabá, em Santo Antônio e em Várzea Grande, fizeram o Manso para evitar a enchente como acontecia. Na cheia de 1995, a Unic teve dois andares cheios de água. Era necessário fazer Manso se nós tivéssemos ocupado bem o solo urbano? Se não tivéssemos ocupado os lugares destinados pela natureza para o transbordamento do rio, aquela parte do bairro Dom Aquino, Avenida Beira Rio, aquilo é tudo área de inundação do Rio Cuiabá, que hoje você pode habitar em função do Manso.

 

Então, para a cidade a construção da usina foi ótima, mas ela foi danosa no Pantanal. Eu tenho propriedade no Pantanal. A cheia de 1973 deu 4,34 metros, a de 1995 deu 4,69 m. Eu estou lá desde 1977 e durante todos esses anos nunca nós alcançamos nem 4 metros.

 

Porque na época das precipitações, a usina está reservando água para poder estar mantendo hoje, como está mantendo. Essa é a importância dela. Ela regula para garantir, no período de seca extrema, uma vazão mínima para que o rio tenha a capacidade de todas as coisas que acontecem nele, seja da reprodução dos peixes, seja do abastecimento público e industrial.

 

 

MidiaNews – Recentemente a ministra do Meio Ambiente afirmou que o Pantanal deverá sumir até o fim deste século. Como o senhor enxerga este tipo de previsão?

 

Rubem Mauro – Está falando besteira. Não acho que essa previsão tem fundo.

 

MidiaNews – Então o senhor acha então que essas secas são cíclicas e são naturais…

 

Rubem Mauro – Por tudo que eu já mostrei pra você, pelos dados, embora um pouco seja de ilação, mas nos leva a isso daí.

 

Por exemplo, a carta náutica feita pelo nosso Barão de Melgaço descreve com perfeição falando que em determinados pontos o rio não tinha mais do que quatro palmos de altura.

 

O que é isso? É uma seca extrema. É uma seca extrema como nós estamos vivendo hoje. Ou já vivemos maior do que isso em épocas passadas, como 1856.

 

 

MidiaNews – Várias cidades de Mato Grosso já decretaram situação de emergência por falta de água. Quais medidas, sob o ponto de vista hidráulico, podem ser tomadas para amenizar a falta de água nesses períodos de estiagem mais longa?

 

Rubem Mauro – Aí tem que ser um estudo localizado de cada uma delas. Porque existem muitos rios aqui em Mato Grosso que não são perenes, são intermitentes. Nessa seca profunda eles param de transportar água.

 

Aí, talvez, seria o caso de uma barragem de contenção, que seria o caso de Poconé. Poconé está vivendo todo ano um problema perigosíssimo no Rio Bento Gomes.

 

Eu propus no plano municipal de saneamento básico que se construísse uma barragem, que fizesse um estudo topográfico bem feito para que não houvesse transbordamento para inundar o Pantanal, só que ficasse dentro da caixa do rio. Aí eu poderia estar abastecendo Poconé sem problema nenhum [na seca]. Mas cada caso é um caso, merece estudo.

 

Se a captação superficial é em um rio que não é perene, aí tem que fazer barragem e acumular água para o período de seca. Aí vêm os biólogos e falam dos peixes, mas e quando o rio seca, o peixe está subindo? Não tem peixe que vive ali.

 

O Bento Gomes está secando por vários motivos, e o garimpo é um deles. Essas coisas têm que ser proibidas, você não pode priorizar o garimpo em detrimento do abastecimento público.

 

MidiaNews – O senhor é um defensor da chamada lei do transporte zero, que proíbe o transporte de pescado em Mato Grosso. Sem esse tipo de providência, correríamos o risco de ficar sem peixes nos nossos rios?

 

Rubem Mauro – Nós já estávamos sem peixe. Mas o problema é o seguinte: o pessoal das pousadas lá do Porto Jofre diz que nunca viu tanto peixe como hoje.

 

No Rio Cuiabá daqui até depois de Barão de Melgaço, proibindo ou não proibindo, estão metendo a rede. É só olhar o tanto que você vê de apreensão nesse trecho daqui.

 

Daqui a cinco anos, a situação do rio com certeza será outra. Mas precisamos de chuva. Porque se a água não entrar b=no Pantanal, com os alevinos e as ovas, não há uma reprodução que seja satisfatória.

 

MidiaNews – É comum vermos, em fotografias antigas, as margens do Rio Cuiabá repleta de peixes recém-pescados. Por que isso não ocorre mais?

 

Rubem Mauro – Porque tiraram do rio mais do que a natureza é capaz de repor. Simples assim.

 

A coisa já era feia com as redes que colocavam. Agora os tais dos tablados e sevas foram a gota d’água no peixe de escama.

 

MidiaNews – E a usina de Manso também não interferiu nisso?

 

Rubem Mauro – Interferiu no início. Manso começou em 2000, então tem 24 anos. Será que ainda tem peixe que nasceu no Rio da Casca ou no Rio Manso?

 

Qual que é hoje o limite dele? É a barragem. Esses peixes, naturalmente, nasceram todos ali. Ali é o ponto máximo que ele chega.

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Rubem Mauro

O engenheiro civil e professor da UFMT Rubem Mauro, em entrevista ao MidiaNews

 

MidiaNews – Recentemente houve uma grande polêmica em relação a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas no Rio Cuiabá, com a Assembleia aprovando uma lei proibindo estas obras. Como o senhor se posiciona sobre esse assunto?

 

Rubem Mauro – Será mais um fator que irá interferir na subida do peixe para desovar.

 

Hoje o peixe já sabe que ele vai chegar ali, porque o peixe vai aonde ele nasceu. Agora, se eu construir mais seis [PCHs] pra cá, ele vai começar aqui.

 

Queriam que eu defendesse isso [PCHs no Rio Cuiabá]. Nunca, meu filho. Sou contra.

 

MidiaNews – Além da reprodução dos peixes, a construção delas afetaria outras coisas também?

 

Rubem Mauro – Ela vai inundar a mata ciliar. Mas em termos de recreação seria um espetáculo para Cuiabá.

 

Na Guia já teria um lago formado, que poderia fazer recreação, esporte náutico, o que seria um espetáculo do ponto de vista do turismo e da recreação.

 

Mas do ponto de vista das coisas naturais, que é a subida e a descida do peixe, com certeza impactaria bastante.

 

MidiaNews – Ainda que o senhor diga que as secas são cíclicas, não acha que a população deveria mudar sua relação com a água, economizando mais?

 

Rubem Mauro – Olha, hoje todo mundo consome o menos possível, porque tudo é “hidrometrado”. Se pesar no bolso, você vai diminuir o seu gasto de água.

 

MidiaNews – Nosso estado abriga a Amazônia, com seus rios e aquíferos, o Cerrado, onde nascem os mais importantes rios da nossa região e o Pantanal, a maior planície alagável do planeta. Por que essa falta de água? Não estamos preservando direito nossos biomas?

 

Rubem Mauro – Quando se planta soja, algodão ou milho e não o fazem em declives, que são os terraceamentos, ou seja, curva de nível, para que a água não escoe levando esse material, assoreando os rios e deixando de recarregar o aquífero, que na época de seca mantém esses rios com o mesmo volume histórico, aí nós temos um problema.

 

E nós temos muito problema de culturas que não têm terraceamento. Essa é uma coisa que o Estado, que a Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) deveria bater duro: se não tem terraceamento, não planta.

 

Quanto à seca, como eu falei, a de 1960 foram 10 anos. Nós estamos quanto tempo nessa seca? Três anos? Deus queira que não demore 10.

 

Porque [na época] Cuiabá tinha 36 mil habitantes. Hoje Cuiabá e Várzea Grande tem quase 1 milhão de habitantes. Foi uma explosão [populacional] aqui, no Nortão, na região oeste de Cáceres, então a população mato-grossense está crescendo exponencialmente e os nossos recursos hídricos continuam os mesmos para muito mais gente.

 

 



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