Estiagem no Pantanal piora o clima em Cuiabá, diz pesquisador

Com as discussões sobre o futuro do Pantanal ganhando força por causa da seca e das queimadas, o pesquisador e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Pierre Girard, chama à atenção para a importância da conservação do bioma.

O clima é importante para nós, e o Pantanal regula nosso clima, provendo umidade

 

Conforme o pesquisador, a estiagem prolongada, além de provocar queimadas, prejudica o clima em regiões como a Baixada Cuiabana, já que, com maior volume de água, o Pantanal tende a amenizar o calor e a baixa umidade até em Cuiabá.

 

“É preocupante que, com a secagem, estamos enfrentando problemas. O que está acontecendo com as pessoas que têm dificuldades respiratórias? E com as crianças, que muitas vezes enfrentam mais dificuldades com o ar quente e seco, cheio de poeira? O clima é importante para nós, e o Pantanal regula nosso clima, provendo umidade”.

 

Em conversa com o Midianews, o pesquisador, que é o coordenador do V Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas, que acontece nesta semana em Cuiabá, abordou ainda as consequências da má gestão dos recursos hídricos em períodos de estiagem. 

 

O pesquisador também falou sobre o impacto que o desmatamento na Amazônia pode gerar no Pantanal e a gestão de recursos hídricos no agronegócio mato-grossense.

 

 

Confira os principais trechos da entrevista 

 

MidiaNews – A ministra Marina Silva afirmou recentemente que o Pantanal corre o risco de desaparecer até o fim deste século. Em sua análise, existe realmente esse risco?

 

Pierre Girad – Eu penso que a fala da ministra Marina é para ressaltar a urgência de fazer alguma coisa para o Pantanal. Se não for feita alguma coisa para conservar a água do Pantanal, o Pantanal vem a sofrer. Eu penso que é uma força de expressão, mas que o Pantanal está sofrendo, está.

 

MidiaNews – E quais são os impactos que este sofrimento do Pantanal pode ocasionar no meio ambiente?

 

Pierre Girard – Para a fauna, para a flora e para quem precisa da fauna ou da flora. O Pantanal movimenta um turismo gigantesco anualmente. Muita gente vem visitar o Pantanal e isso traz muitos recursos. O Pantanal também é um lugar onde muitas pessoas vivem de uma forma tradicional. Aí se o Pantanal acaba, eles acabam também. A gente vai perder um lugar único no Mundo. Se a gente quer cuidar da vida na Terra, de uma forma mais ampla, tem que cuidar da vida no nosso quintal, que é a vida do Pantanal.

 

MidiaNews – Tivemos em 2020 e 2024 dois anos de muitas queimadas no Pantanal. Quais são as consequências do fogo para o bioma?

 

Pierre Girard – Tem impacto sobre a fauna, todo mundo viu as imagens. E tem o capital do turismo. Os incêndios estão destruindo o capital natural do Pantanal que é a base do turismo.

 

MidiaNews – Com a mudança no Pantanal, há essa possibilidade de danos e desastres ambientais aqui na região de Cuiabá? 

 

Pierre Girard –  A água entra e inunda uma grande área. Essa água evapora, e o que evapora regula o clima. Como o Pantanal está seco, nos últimos anos, temos sentido que o Pantanal está mais seco. Se o Pantanal estivesse mais cheio no momento de cheia, o clima – quando as águas vazam, o Pantanal permanece úmido – o clima ficaria melhor na seca.

 

É preocupante que, com a secagem, estamos enfrentando problemas. O que está acontecendo com as pessoas que têm dificuldades respiratórias? E com as crianças, que muitas vezes enfrentam mais dificuldades com o ar quente e seco, cheio de poeira? E as pessoas mais idosas, que estão sentindo o mesmo? O clima é importante para nós, e o Pantanal regula nosso clima, provendo umidade.

 

Se a água passasse diretamente pelo Pantanal, em outro lugar iria inundar. Essa é uma das razões pelas quais enfatizamos a importância do Pantanal: ele também serve para mitigar inundações em outras áreas mais rio abaixo.

 

MidiaNews – Recentemente o climatologista Carlos Nobre afirmou que o período de estiagem na Amazônia está durando quase um mês a mais, entre 4 a 5 semanas. No Pantanal isso também já está ocorrendo? 

 

Pierre Girard – Nós já tivemos assim de 2023 para 2024 uma cheia bem pequena. Então as águas baixaram rápido e já faz praticamente quatro meses que a gente não tem chuva grande. Então, sim, a estiagem está se prolongando. 

 

MidiaNews – Moradores da Baixada Cuiabana, especialmente Várzea Grande, reclamam da falta de água nas torneiras, mas culpam basicamente o poder público por isso. A culpa é mesmo dos políticos ou da escassez cada vez maior? 

 

Pierre Girard –  O problema da distribuição da água, muitas das vezes é uma questão de gerência da água, realmente. Não está bem manejado.  Agora, o fato de não chover aumenta esse problema. Se tem uns que são privilegiados por essa má gestão e outros que são desfavorecidos quando tem muita água, imagina quando tem pouca. Quando falta água, falta para todos, mas não falta de forma igual.

 

 

MidiaNews – O pesquisador Pedro Cortês relatou em uma publicação da USP que até o ano de 2050 o Brasil passará por um processo de savanização. O Pantanal pode ser atingido por essa tranformação?

 

Savanização da Amazônia seria dramática para a economia brasileira

Pierre Girard – o Pantanal é uma savana alagada. Esse processo de savanização foi para a Amazônia e essa savanização da Amazônia seria dramática para a economia brasileira, porque a gente está falando da chuva do Brasil. Uma grande parte da chuva do Brasil, do Centro-Oeste, do Sudeste, é gerada na Amazônia.

 

MidiaNews – Em Mato Grosso, a agricultura é muito forte. Em muitos lugares utiliza-se a irrigação. Qual o impacto que a utilização de irrigadores pode trazer ao meio ambiente? E haverá água suficiente para irrigar tanta lavoura?

 

Pierre Girard  – O Brasil tem um dos maiores aquíferos do Mundo, que é o aquífero Guarani, e tem reservas muito grandes de água. Agora, para a agricultura não se pode utilizar qualquer água. O melhor é utilizar uma água que tem uma característica perto da água de chuva para evitar a salinização dos solos. 

 

Outra coisa é, que para extrair a água subterânea, precisa de energia. E no Brasil a energia depende dos rios. Então, tenho uma questão toda que se avoluma, que é a questão da energia do Brasil. A chuva cai, você não precisa pagar um centavo para a chuva cair. Agora pensar em um pivô, pegar uma bomba, mesmo que seja no rio… A gente começa a pagar. 

 

 

 

MidiaNews – Vocês está realizando em Cuiabá o Quinto Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas. Qual a importância deste evento neste momento?

 

Pierre Girard  –  Essas áreas úmidas promovem vários serviços para nós. Essas áreas controlam as cheias e a qualidade da água que chega aos rios. Essa função é muito importante porque, se as eliminarmos, teremos que buscar alternativas. Elas armazenam água durante períodos de seca, e se as retirarmos, teremos que construir reservatórios. 

 

Então esse congresso tem interessado em todas as áreas úmidas do Brasil. Eles [pesquisadores] vão falar sobre o que eles estão estudando dessas áreas, como que elas funcionam, como que elas preservam a biodiversidade, como que elas regulam o clima, como que elas provêm esses serviços para a população daqui, de Cuiabá, de Mato Grosso, do Brasil. 

Serviço: O V Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas será realizado no Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP), na UFMT,  durante os dias 16 e 18 de outubro. Neste ano, o tema do encontro será: O Destino das Áreas Úmidas no Antropoceno: Impactos Humanos em Tempos de Crise Climática. 

 

 



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