MidiaNews | Justiça Restaurativa e Educação
A Justiça Restaurativa tem se consolidado como uma abordagem inovadora na resolução de conflitos, promovendo o diálogo, a responsabilização e a reparação de danos. No contexto educacional, essa prática se alinha diretamente ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS 4) da Organização das Nações Unidas (ONU), que visa assegurar uma educação inclusiva, equitativa e de qualidade, promovendo oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
A origem da Justiça Restaurativa remonta a práticas tradicionais de comunidades indígenas e foi formalizada no século XX por estudiosos como Albert Eglash, que introduziu o termo na década de 1950. Posteriormente, Howard Zehr e John Braithwaite contribuíram significativamente para o desenvolvimento desse modelo, enfatizando a importância da reparação do dano e da reintegração social do ofensor.
Diferente do modelo punitivo tradicional, a Justiça Restaurativa foca na responsabilização ativa dos envolvidos, na reparação dos danos causados e na restauração das relações afetadas pelo conflito.
No ambiente escolar, a Justiça Restaurativa tem sido adotada como alternativa aos métodos disciplinares tradicionais, buscando transformar a cultura escolar e promover um ambiente mais inclusivo e pacífico.
A aplicação dessa abordagem nas escolas envolve práticas como círculos de diálogo, mediação de conflitos e conferências restaurativas, que estimulam a escuta ativa, o respeito mútuo e a responsabilização coletiva. Mais do que resolver conflitos pontuais, essas iniciativas transformam a cultura escolar, incentivando valores de empatia, cooperação e respeito aos direitos humanos.
A introdução da Justiça Restaurativa nas escolas brasileiras ocorreu inicialmente em São Caetano do Sul, em 2005, por meio do projeto “Justiça e Educação: Parceria para a Cidadania”, resultado da cooperação entre os sistemas de Justiça e Educação. Posteriormente, essa experiência foi expandida para outros municípios paulistas, integrando programas como o Sistema de Proteção Escolar (SPEC), concebido pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE-SP)1 .
No estado de Mato Grosso, as práticas restaurativas vêm sendo implementadas pelo Poder Judiciário, por meio do Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa (NUGJUR), principal responsável pela disseminação dessas práticas, promovendo formações, diálogos e círculos restaurativos nas escolas.
Desde 2020, mais de 1.500 círculos de construção de paz foram realizados, beneficiando cerca de 12.500 pessoas, entre estudantes, educadores e familiares (dados extraídos do site do NUGJUR2 ). Os projetos “Retorno Pacificado à Escola” e “Eu e Você na Construção da Paz”, idealizados por magistradas das Comarcas de Tangará da Serra-MT e Campo Verde-MT, respectivamente, demonstram a relevância de buscar alternativas eficazes para enfrentar os desafios no ambiente escolar, beneficiando tanto alunos quanto professores.
Nessa mesma perspectiva, o município de Várzea Grande-MT, em parceria com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso e o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da Comarca de Várzea GrandeMT, promoveu diversos cursos de capacitação para formação de facilitadores nas escolas, com ênfase na qualificação de professores e coordenadores.
O objetivo é permitir que, no dia a dia, essa abordagem seja incorporada ao ambiente escolar, promovendo uma cultura educacional diferenciada, onde o aluno não é apenas um observador, mas um participante ativo e protagonista do processo educacional. Dessa forma, a integração da Justiça Restaurativa no contexto educacional, em consonância com o ODS 4, fortalece a construção de um ambiente escolar seguro e acolhedor, contribuindo para a redução da evasão escolar, a melhoria do desempenho acadêmico e a formação de cidadãos mais conscientes e participativos.
Além disso, ao fomentar a cultura de paz e o respeito aos direitos humanos, a Justiça Restaurativa apoia outras metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas (ODS 16) e a redução das desigualdades (ODS 10).
Portanto, a Justiça Restaurativa representa uma abordagem promissora e transformadora no âmbito educacional, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e promovendo uma cultura de paz, inclusão e respeito aos direitos humanos. Sem dúvidas que a sua implementação nas escolas do estado de Mato Grosso constitui um avanço significativo para a criação de um ambiente escolar mais harmonioso e participativo.
As iniciativas desenvolvidas pelo Poder Judiciário demonstram que, por meio do diálogo e da mediação de conflitos, é possível transformar a educação em um espaço de crescimento coletivo e respeito mútuo. A continuidade e a ampliação dessas práticas são fundamentais para consolidar a cultura da paz e garantir que todos os alunos tenham acesso a uma educação mais humana, inclusiva e transformadora.
Luis Otávio Pereira Marques é juiz de direito.
1 SILVA, Maria; SOUZA, João. Direitos Humanos e Justiça Restaurativa nas Escolas: O que Pensam os Professores? Educação em Revista, Campinas, v. 37, p. 1-15, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/edur/a/VFH93pZKjJWQVhqFC8tHWsN/. Acesso em: 31 jan. 2025.
2 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO. Núcleo Gestor da Justiça Restaurativa – NUGJUR. Disponível em: https://portalnugjur.tjmt.jus.br/. Acesso em: 31 jan. 2025.