É alarmante; apertamos de um lado e eles foram para os golpes
O diretor metropolitano da Polícia Civil de Mato Grosso, delegado Wagner Bassi Júnior, classificou como alarmante o aumento no número de golpes virtuais no Estado.
A gente apertou muito no roubo e furto, os criminosos viram que aquilo estava se tornando difícil e migraram para o estelionato em meios digitais
Segundo o delegado, após a Polícia apertar o cerco nos crimes de roubos e furtos, os bandidos acabaram migrando para o estelionato em meios digitais, ludibriando vítimas e conseguindo extrair dados importantes dela.
“É alarmante. O crime migrou. Quando a gente aperta os criminosos de um lado, a tendência é o criminoso migrar para outro. A gente apertou muito no roubo e furto, os criminosos viram que aquilo estava se tornando difícil e migraram para o estelionato em meios digitais”, disse em entrevista ao MidiaNews.
“Agora queremos começar a fazer um trabalho de orientação. Porque o criminoso vai ludibriando a vítima e ela acaba dando alguma informação que permite que ele acesse o meio digital dela”.
O diretor falou também sobre recentes mudanças na Polícia Civil e sobre e os primeiros resultados do programa Tolerância Zero, do Governo do Estado, de combate às facções criminosas.
“Um dos pontos que nos parecia muito sensível era o sistema prisional e o Governo do Estado, de forma muito firme, vai enfrentar essa questão. O Dr. Vitor Hugo Bruzulato assumiu [a Sejus] e em pouco tempo a gente já notou mudanças”, afirmou.
Além disso, o delegado comentou sobre casos de grande repercussão como o da adolescente Isabele, no qual ele atuou, e o do assassinato do advogado Renato Nery, ocorrido há 6 meses.
Veja a entrevista na íntegra:
MidiaNews – Nesta semana foram anunciadas mudanças nas Delegacias Especializadas da Capital: DHPP, DERFVA, DERF. Qual foi o objetivo desta mudança?
Wagner Bassi – O nosso objetivo é sempre é aprimorar, a Polícia Civil é uma instituição em constante evolução para atender a sociedade da melhor forma possível. Para isso, muitas vezes a gente precisa mudar a organização de algumas unidades.
O crime organizado é muito rápido, então a gente precisa acompanhar esses movimentos. Na verdade houve também uma reestruturação geral da instituição.
MidiaNews – Uma grande queixa dos cidadãos é o número de celulares roubados e furtados na Grande Cuiabá. A Polícia pretende dar uma atenção maior a estes crimes?
Wagner Bassi – Tivemos uma redução no ano passado de 20% em roubos, se você comparar com o ano anterior. E de furto também, os furtos são os crimes de subtração sem violência, reduziu 8%, mas a redução de 20% de roubo nos mostra que os criminosos já estão diminuindo a violência, trazendo uma sensação de segurança muito melhor na sociedade.
Este ano já iniciou o projeto da Operação Móbile, que visa recuperar e prender todos os indivíduos que furtam e receptam celular. A gente notou que muitas pessoas de bem estão comprando celulares roubados sem saber que é roubado.
Nós desenvolvemos um sistema que quando a vítima tem o seu celular furtado, ela informa o número do IMEI (código de identificação de cada celular) dela, que automaticamente oficiamos as operadoras que informam para nós se esse telefone está ativo.
Dessa forma, a gente identificou inúmeros telefones furtados sendo utilizados. A gente está intimando essas pessoas para irem à delegacia voluntariamente apresentarem os telefones, serem informadas que é furtado, e ela informa quem é o vendedor. Isso vai fazer com que a gente identifique de forma rápida e célere.
É importante a vítima saber o IMEI do seu celular. Não existe furto se não tiver um comprador, alguém compra aquele produto furtado.
MidiaNews – Então a pessoa que comprou sem saber, será intimada a ir à delegacia e informar quem é o vendedor?
Wagner Bassi – Exatamente! Todas essas pessoas que identificamos, elas vão ser intimadas pra ir à delegacia apresentar seu telefone. A gente vai investigar se ela estava de boa fé ou se ela sabia e tinha má fé.
A redução de 20% de roubo nos mostra que os criminosos já estão diminuindo a violência, trazendo uma sensação de segurança muito melhor na sociedade
Se ela tinha má fé, ela vai responder pelo crime de receptação. Se ela não estava de boa fé, se ela não sabia da origem criminosa daquele produto, ela não vai responder pelo crime, mas ela vai ter que informar de quem ela comprou. Então a gente vai chegar ao autor do furto.
Onde está o problema [do furto de celulares]? Nossas análises de inteligência demonstram que o celular tem um valor agregado muito grande e as pessoas compram mesmo sem saber a origem, pagando um valor considerável, fazendo com que ele se torne um produto atraente para os criminosos.
MidiaNews – Os golpes virtuais estão crescendo de forma assustadora. Vocês pretendem reforçar as investigações contra este tipo de crime? Qual a orientação que o senhor dá para a população não cair nestes golpes?
Wagner Bassi – É alarmante. O crime migrou, quando a gente aperta os criminosos de um lado, a tendência é o criminoso migrar para outro. A gente apertou muito no roubo e furto, os criminosos viram que aquilo estava se tornando difícil e migraram para o estelionato em meios digitais.
Agora queremos começar a fazer um trabalho de orientação. O criminoso vai ludibriando a vítima e ela acaba dando alguma informação que permite que ele acesse o meio digital, geralmente o banco, ou ela cai em um spam que faz com que instale algum aplicativo dentro do celular dele.
Então isso a gente quer orientar as pessoas da melhor forma para se prevenir e evitar que esses criminosos tenham sucesso.
Quem caiu, eu oriento que imediatamente procurem a delegacia de estelionato, que criou uma rede com todas as agências bancárias, de forma que bloqueia o dinheiro evitando que ele pulverize. Quando cai o dinheiro na conta de alguém, se ele é pulverizado ou sacado a gente tem dificuldade de recuperar.
MidiaNews – Os índices de homicídio voltaram a crescer em Mato Grosso depois de anos de redução. O que houve para que essa tendência se invertesse?
Wagner Bassi – Vamos fazer uma análise se foi algo pontual ou se isso é uma tendência de crescimento. Cuiabá hoje tem um índice de 10.6 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é superior a 20.
A DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) é uma delegacia de excelência que tem hoje um índice que chega a quase 70% de esclarecimentos de homicídios, enquanto a média nacional então é de 30% de resolutividade.
Então Cuiabá é uma referência no que se refere ao combate ao crime de homicídio. A gente teve 100% de esclarecimentos de feminicídios, nenhum ficou sem esclarecimento. Todos os autores foram indevidamente identificados e encaminhados para a justiça.
Isso demonstra que o trabalho é sério e o empenho nos traz os resultados que a gente espera.
MidiaNews – Será criada uma sala de atendimento especializado a vítimas de violência doméstica na Central de Flagrantes de VG. A violência doméstica em Várzea Grande tem preocupado a Polícia?
Wagner Bassi – Em Cuiabá criamos a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e um Plantão Especializado de Atendimento à Mulher, a gente não tinha isso em Várzea Grande. Então não foi por volume.
Esse atendimento social foi o que a gente buscou garantir com essa sala de atendimento à mulher em Várzea Grande, 24 horas por dia. Não só a mulher, mas todos os grupos de vulneráveis: trans, homossexuais, idosos e crianças.
MidiaNews – A OAB se reuniu com o senhor para cobrar empenho nas investigações sobre a morte do advogado Renato Nery. A Polícia Civil de Mato Grosso está perto de concluir esse caso? Podemos esperar por uma resposta?
Wagner Bassi – Pode esperar com certeza. Quando a gente fala de investigações técnicas e aprofundadas de um caso tão complexo, o rápido é relativo. Então tivemos o caso do Zampieri que demorou de cerca de três a quatro meses para a gente conseguir identificar, e foi um caso que em tese foi rápido.
Agora temos o caso do Renato que é um caso que a gente vem dando toda prioridade. Nós montamos uma força-tarefa exclusiva para atuar nesse caso, com servidores de várias áreas, de inteligência, da DHPP.
Para quê? Para conseguir chegar nos autores por meio de várias vertentes. O que eu posso te garantir é que todos os esforços estão sendo efetuados, todas as técnicas investigativas existentes estão sendo usadas.
É um caso de difícil apuração, acho que isso é claro, pois foi um crime premeditado, mas a polícia tem sim condições de identificar e a gente vai dar resposta no prazo mais curto possível.
MidiaNews – O senhor atuou na investigação sobre o Caso Isabele, um episódio que chocou a sociedade. Aquele caso marcou o senhor de alguma forma?
Wagner Bassi – Marcou. Foi um caso que mexeu muito com a sociedade. Um caso muito difícil de atuar, muito sensível.
Estávamos falando de adolescentes, então com certeza é um caso que mexeu. Na época eu sofri muita pressão da imprensa, da sociedade, da família, e a gente precisava dar uma resposta técnica, que fizesse com que pudéssemos obter a condenação.
Foi o que fizemos, [trouxemos] uma resposta técnica. Evitamos ao máximo tornar o caso midiático, mas ele automaticamente se tornou.
No final, a gente conseguiu demonstrar o que aconteceu de uma forma técnica, objetiva e que causou as condenações, a responsabilização e as punições que foram feitas, foram e até hoje estão sendo geradas.
MidiaNews – O Governo de Mato Grosso anunciou o Programa Tolerância Zero ao Crime Organizado, com ênfase muito forte nos presídios, que viraram home office do crime. Em relação à Polícia Civil, o que está sendo feito para melhorar os resultados no combate ao crime organizado?
Wagner Bassi – A gente reorganizou nossa forma de atuar. Foi criada uma coordenadoria de combate ao crime organizado que vai integrar todas as regiões do estado, coordenando e centralizando informações, a fim de haver um combate e investigação eficientes ao crime organizado, que ultrapassa os limites dos municípios.
Foi criada uma coordenadoria de ativos financeiros, que vai coordenar o ataque financeiro. Não só bloquear, mas trazer esse valor de volta para a sociedade, para o Estado, para ser reaplicado em serviços públicos e na própria segurança pública.
Não estamos errando, a gente está mudando e enfrentando o crime organizado de frente
Usar esse dinheiro do crime organizado para enfrentar o próprio crime organizado. Essas são as duas principais mudanças.
Também vão ser criadas Dracos (Delegacia Especializada de Combate ao Crime Organizado) no interior. O governador nos autorizou a contratar 94 novos policiais exatamente para essa frente, são novos 15 delegados, 23 escrivãs e 63 investigadores.
A gente vê em outros estados pessoas que não conseguem entrar em determinadas regiões, a gente não tem isso em Cuiabá ou em Mato Grosso. Aqui o Estado tem pleno domínio territorial.
Não depende só da Polícia Civil, não depende só do sistema prisional, não depende só da Polícia Militar. É cada um, dentro da sua esfera de atuação, trabalhando de forma firme, dura, que vamos conseguir combater o crime organizado.
MidiaNews – As organizações criminosas cresceram bastante nos últimos anos em todo o Brasil. Onde foi que as autoridades erraram?
Wagner Bassi – A gente não tem como dizer que não é uma realidade, o crime organizado vem crescendo no Brasil. Mas na verdade não estamos errando, a gente está mudando e enfrentando o crime organizado de frente. Então, por exemplo, no programa Tolerância Zero, várias frentes estão sendo desenvolvidas pelo Governo de Estado, a fim de enfrentar o crime de forma efetiva.
Um dos pontos que nos parecia muito sensível era o sistema prisional e o governo, de forma muito firme, vai enfrentar essa questão. O Dr. Vitor Hugo Bruzulato assumiu [a Sejus] e em pouco tempo a gente já notou mudanças.
Em um tempo maior a gente vai poder fazer estatísticas e trazer números claros disso, mas já nos parece que houve uma evolução. Houve várias reformulações e com isso a gente acredita que vai conseguir, de uma forma efetiva, atacar o crime organizado e pedir que ele cresça em Mato Grosso.
Efetivamente vamos minar eles em todas as formas: financeira, estrutural, as lideranças, etc. O programa Tolerância Zero vem nesse sentido de ser uma ação coordenada em várias instituições. O Governador Mauro Mendes trouxe esse programa e criou um comitê trazendo vários órgãos, inclusive da sociedade civil.
Todo mundo está trabalhando junto e vamos conseguir vencer essa batalha.