Vítima de perseguição aprende Krav Maga e se torna instrutora
A violência tem feito cada vez mais mulheres procurarem alternativas para se proteger de ataques. Foi o caso de Taísa Guimarães ao ser apresentada ao Krav Maga, a tática de defesa pessoal israelense. Hoje faixa marrom, ela é a única instrutora em Mato Grosso autorizada pela Federação Sul-Americana de Krav Maga a ensinar a técnica.
Eu vim para Cuiabá com a missão de trazer o Krav Maga para o Estado e poder ajudar outras pessoas
A história de Taísa com a prática começou em 2009, em Brasília, sua cidade natal. Na época, ela sofria com a perseguição de um vizinho, que ficava vigiando-a em casa e a perseguia no trabalho e na faculdade.
“Eu vivia com medo, mas chega uma hora que a gente cansa de sentir isso”, conta.
Ao buscar ajuda na Polícia, ela conta ter sido ridicularizada por um investigador. “Fui na delegacia saber o que eu poderia fazer e um agente de Polícia me falou que eu só estava lá porque ele era ‘um coroa’. Se fosse ‘um garotão’, eu estaria gostando. Aí vi que estava sozinha. Comecei a fazer arte marcial, gostei, me senti segura”.
A segurança durou até o dia em que ela foi assaltada por um casal armado.
Quando chegou em casa e contou ao seu pai sobre o assalto, ele mencionou o Krav Maga. A prática tem o objetivo de dar a qualquer pessoa, independente de gênero, idade ou porte físico, a capacidade de se defender contra qualquer tipo de agressão, seja armada ou desarmada, contra um ou vários agressores, em pé ou no chão.
Taísa diz ter se apaixonado pela técnica já na aula experimental. Ela se dedicou tanto que se tornou instrutora. Primeiro em Brasília, depois em Cuiabá, para onde se mudou na sequência.
“Eu vim para Cuiabá com a missão de trazer o Krav Maga para o Estado e poder ajudar outras pessoas, assim como eu fui ajudada. Vim pra cá sem conhecer nada e nem ninguém, somente com a missão de ajudar as pessoas de bem a não serem vítimas de violência”.
Coragem e autoconfiança
Victor Ostetti/MidiaNews
A instrutora Taísa Guimarães, durante aula de Krav Maga
A reportagem acompanhou uma das aulas ministradas pela instrutora. Na sala de treinamento a maioria era mulher. Entre elas, havia muitas adolescentes. Algumas já eram praticantes e ostentavam a faixa laranja, enquanto outras faziam a aula experimental.
Sentada em uma das cadeiras ao pé do tatame, estava Deyvani da Conceição Nunes, de 38 anos, mãe da também aluna Nicoly Nunes de Oliveira, de 16, que fazia sua primeira aula. Deyvani conta que incentivava a filha a praticar alguma arte marcial, pois acreditava que seria positivo para seu desenvolvimento.
Onze anos atrás, Nicoly e seu pai foram vítimas de um roubo, no qual foram feitos reféns e amarrados por um ladrão. Deyvani contou que, na ocasião, a filha foi até a porta da casa, acreditando que fosse a mãe, momento em que foi surpreendida pelo criminoso.
O crime deixou Nicoly traumatizada, apresentando dificuldades para dormir e medo constante. Assim, Deyvani começou a trabalhar o lado psicológico da filha para que ela conseguisse superar o trauma, e aproveitou para prepará-la para se defender de outros possíveis episódios de violência.
“Sempre conversei sobre isso com ela, porque me preocupo com o futuro dela. Como será quando ela começar a sair sozinha? A gente vê muitos casos de feminicídio e acho importante que ela aprenda a se defender”.
O medo e a insegurança também levaram a cientista social Lupita Amorim, de 26 anos, ao Krav Maga. Praticante há quatro anos, ela hoje sustenta a faixa laranja e auxilia nas aulas da instrutora Taísa, por meio da qual se formou na primeira turma de monitores do Estado com a instrução dela.
“Andando no Centro de Cuiabá, de Várzea Grande, seja de dia ou à noite, eu me sentia muito perseguida por homens. Pesquisei na internet sobre o Krav Maga e as pessoas indicaram que eu viesse aqui. Fiz uma aula experimental e fiquei. Agora sou monitora e em breve uma aluna faixa verde”, conta.
“Aprendi muitos golpes e também trabalhei minha coragem. Isso me permite dizer ‘não’ e reagir em uma situação onde me sinta ameaçada, porque não tem conversa com agressor. Essa postura de ‘se acontecer alguma coisa, eu vou saber me defender’, é um dos maiores aprendizados que eu poderia te falar”.
Lupita diz que os praticantes usam Krav Maga em todas as situações para identificar até mesmo as violências veladas. “Se eu estou andando na rua e percebo que um cara está olhando estranho, já não fico acuada. Eu diria que uso o Krav Maga todos os dias da minha vida. Mas em termos de precisar bater em alguém, usar os golpes, ainda não passei por isso”.
Victor Ostetti/MidiaNews
A instrutora Taísa Guimarães, durante aula de Krav Maga
Lupita conta que uma das alunas, que não será identificada, sofre de violência doméstica. Como monitora, uma das responsabilidades dela é auxiliar a instrutora a manejar a aluna e ajudá-la a desenvolver as capacidades emocionais para saber sair dessa situação de vulnerabilidade.
“É desafiador lidar com vítimas, porque é um processo até ela desenvolver esse senso de coragem, de autoconfiança. E a gente também precisa entender que há um limite de até que ponto podemos pressionar a pessoa para que ela saia dessa situação. A gente pode e deve contribuir, mas depende principalmente da pessoa”.
As aulas e a academia em Cuiabá
As aulas da instrutora Taísa são ministradas três vezes por semana, às terças e quintas-feiras, das 19h às 20h, e aos sábados das 9h às 11h, na academia Shotokan, no Centro da Capital. As aulas são mistas e é permitida a participação de alunos a partir de 10 anos, sem idade limite.
“Qualquer pessoa pode começar em qualquer época. Vou ensinar a pessoa a fechar a mão, como chutar sem quebrar o pé, quais pontos é melhor atingir para cada objetivo”, diz.
Taísa garante que entre três a seis meses o aluno já passa a ter uma boa noção de defesa pessoal.
Veja alguns vídeos da aula: