Líderes políticos têm de agir para evitar o clima de ódio e incentivar a tolerância

Tem pintado um clima ampliado de ódio no País. Nas últimas semanas, ocorreram incidentes violentos relacionados à campanha política, e no início desta, em Goiânia, mais um caso chamou atenção. Em um bar, numa noite de domingo, um advogado teria agredido uma mulher e atacado uma pessoa em razão de opiniões políticas diferentes. Desde 2014, o Brasil sofre grave processo de polarização política. E isso se acentua pela presença das mídias sociais, que exacerbam a divisão e cria o clima de “nós contra eles”.

O historiador Leandro Karnal explica que existe uma falsa ideia de que somos um “bando de gente pacífica que apenas está cercado por pessoas violentas”. Na opinião dele, existe confusão na interpretação do mito do homem cordial — comumente associado ao brasileiro. A interpretação equivocada do conceito é a de que brasileiros são todos amáveis e simpáticos (trata-se de uma leitura redutora das ideias do historiador Sérgio Buarque de Holanda). Só que isso é um equívoco e, para sermos fiéis ao dicionário, cordial nos remete àquilo que vem do coração (ou, diria um cientista, do cérebro). Ódio também é um sentimento que vem desse lugar.

Só no primeiro semestre deste ano, a Central Nacional de Denúncias da Safernet mostrou um aumento de 67,5% de denúncias de crime de ódio na internet envolvendo racismo, LGBTfobia, xenofobia, neonazismo, misoginia, apologia a crimes contra a vida e intolerância religiosa. Os dados dão a entender que o debate saudável e a democracia parecem frágeis para nosso país, já que a polarização se vestiu de ódio pessoal, criando uma cisão poderosa entre os brasileiros.

Dentro da civilidade não pode ter espaço para esse tipo de violência política. É um ato de criminalidade comum e, além disso, é um tipo de ato que atinge a democracia. Evidente que é impossível reduzir a zero a possibilidade de um indivíduo desequilibrado atacar outra pessoa. Mas a mensagem das lideranças é muito importante. É preciso renunciar ao uso da violência. É preciso incentivar a tolerância e o respeito ao posicionamento político do adversário. Por falar nisso, o adversário deve ser tratado como adversário, e não como inimigo. Não estamos numa guerra e somos todos brasileiros.

Vale sempre lembrar que política não é torcida de futebol. Não adianta torcer pela derrota do adversário e ficar feliz no domingo enquanto vemos pessoas apanhando por opiniões divergentes, enquanto seres humanos são assassinados por acreditar no que é diferente da gente, enquanto vemos homossexuais sendo espancados e tantos outros casos. A sociedade perde. Perde-se a chance de conseguir dialogar com o outro e se ganha mais um motivo para odiar quem defende o que não concordamos.

No dizer do jornalista e biógrafo Ruy Castro, a grande especialidade de Nelson Rodrigues era o ser humano e, falando sobre o brasileiro, o escritor afirmava “o brasileiro tem suas trevas interiores. Convém não provocá-las. Ninguém sabe o que existe lá dentro”. A verdade é que nunca fomos pacíficos. A história do Brasil é marcada sempre por violência, torturas e conflitos. As decapitações ou torturas que chocam nos presídios eram moda há séculos e foram aplicadas em praça pública para servir de exemplo nos casos de Tiradentes e Zumbi. Por aqui, existe um senso de que quase todos os problemas podem ser resolvidos ou na piada ou na porrada. Precisamos de um “medicamento” crucial — tolerância.



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