Criminosos usam nomes e carimbos de médicos goianos para vender atestados falsos pela Internet
Médicos de unidades de saúde privadas e públicas de Goiânia e Aparecida de Goiânia têm nomes, assinaturas e até carimbos (que contêm o CRM ativo) usados de maneira ilegal por criminosos que falsificam receitas e atestados para vender na Internet. O principal foco dos falsificadores são as redes sociais, além de sites e grupos de fácil acesso, onde eles divulgam os documentos.
Com exclusividade, o Jornal Opção conversou com um desses criminosos que vende atestados e receitas. Astuta, a mulher que se identificou como Isadora, rejeitou as ligações do repórter, mas se colocou à disposição para tirar dúvidas e fechar o negócio por meio de mensagem.
Se passando por um cliente em busca de folga do trabalho, o repórter questionou o preço cobrado pelo documento. A mulher, então, informou que um atestado de 15 dias sairia no valor de R$ 130, mas que poderia prolongá-lo desde que fosse pago um valor maior.
No total, ela cobrou R$ 150 para encaminhar um atestado de 20 dias em arquivo PDF. O valor, porém, precisa ser pago antecipadamente por meio do PIX ou de transferência bancária.
Perguntada sobre a qualidade dos atestados, a criminosa fala que tem contatos ativos em clínicas particulares e em unidades de saúde públicas. Em Goiânia, por exemplo, ela cita os Centros de Atenção Integrada à Saúde (Cais) de Campinas, Novo Mundo e Urias Magalhães. Já em Aparecida de Goiânia, o contato estaria na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Flamboyant.
“Em uma folha pode ter de 14 a 15 dias. Se você quiser mais dias além dos 15 dias, posso fazer um preço bacana. Temos Cais e clínica particular, mas preciso de alguns dados, como nome completo, comprovante de endereço, data de nascimento e o dia em que quer iniciar o atestado. Além disso, preciso saber a unidade que você quer e o motivo a ser citado”, explicou Isadora.
Sem conhecimento
Em um dos modelos de atestado disponibilizados pela criminosa, a fim de ganhar a confiança do repórter, ela usa o nome da médica Carolina Vaz da Costa que trabalha na UPA Flamboyant. No documento consta que o suposto atendimento da médica foi realizado no dia 16 de julho, às 10h25. O paciente teve quatro dias para se ausentar do trabalho. O nome da profissional de saúde foi confirmado pela Secretária Municipal de Saúde de Aparecida de Goiânia (SMS).
Buscando respostas, procuramos a médica e conversamos com ela por telefone. Durante o diálogo, Carolina contou não ter conhecimento sobre a prática e disse ainda estar surpresa com a revelação. Aparentemente perplexa, a mulher conta que irá procurar o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) para denunciar a fraude.
“Não estou sabendo, é a primeira notícia que eu tenho. Vou entrar em contato com os lugares que trabalho para ver o que está acontecendo, porque realmente não estou sabendo o que está acontecendo. Vou correr atrás disso e vou no CRM hoje”, contou a médica.
Comum
Para o presidente do Cremego, Fernando Pacéli, a falsificação de atestados é comum. Ele diz que os criminosos conseguem falsificar os carimbos por meio do furto destes utensílios, além da confecção irregular dos mesmos. Pacéli diz que outros crimes comuns são a rasura no número de dias ofertados e a falsificação das assinaturas.
Porém, caso o profissional seja convivente com a fraude, como afirmou Isadora (criminosa), ele será penalizado pelo CRM e pela justiça comum. Dependendo do contexto, o profissional poderá receber uma advertência ou até mesmo a exclusão da medicina.
“A grande maioria dos atestados recebe o nome de médicos goianos, mesmo não tendo sido redigidos por eles. Essa prática dolosa prejudica o médico com seu nome acostado, a empresa, e o próprio fraudador que ficará com seu nome sujo. Todos os dias somos questionados acerca da veracidade de atestados”, afirmou.
Prisão e pena
A prática de venda e de compra desse tipo de documento se enquadra em pelo menos três crimes, conforme explica o delegado Daniel José: falsificação de documento público, falsificação de documento particular e uso de documento falso, cujas penas somadas podem ultrapassar os 12 anos de prisão.
Ainda de acordo com o investigador, todo sujeito que falsifica ou altera qualquer tipo de documento público ou particular pode ser preso, seja esse documento virtual ou físico como no caso dos atestados. Daniel diz ainda que a Internet fez com que esse tipo de crime aumentasse, devido a facilidade de obter e vender os documentos.
“A utilização da internet e das redes sociais pode gerar uma sensação no criminoso que ele está fazendo aquilo na obscuridade, mas esse tipo de crime como qualquer outro deixa vestígios, deixa a sua identidade, deixa o seu sinal”, explicou o delegado.
O Jornal Opção também procurou o Ministério Público de Goiás (MP) e a Polícia Federal (PF). O órgão informou que o caso pode vir a gerar um inquérito para ser remetido ao MPGO. Por conta disso, não há como um promotor ou promotora antecipar posicionamento ou prestar consultoria sobre o tema.
A PF, por outro lado, informou que a investigação cabe à Polícia Civil (PC). Todo o material foi encaminhado à corporação responsável.