Professores do crime: estelionatários oferecem cursos ensinando 800 formas de aplicar golpes
Popular no vocabulário brasileiro, a frase: ‘na escola que você está entrando eu sou professor’ faz jus um crime inusitado, mas que vem ganhando força nas redes sociais: cursos com 800 formas de como aplicar golpes de estelionato. Agora, além de praticar, esses criminosos também passaram a cobrar para ensinar iniciantes no 171 (artigo que configura estelionato).
Buscando entender como funciona essa ‘escola’ do crime, a reportagem do Jornal Opção se infiltrou por uma semana em grupos de WhatsApp, Telegram e Facebook, a fim de acompanhar de perto a movimentação desses criminosos, que ensinam desde hackear um aparelho celular, a aplicar golpes envolvendo instituições financeiras e até restaurantes.
Visionários “empreendedores”, além das opções de cursos, os criminosos também vendem a R$ 20 documentos com exemplos de como fazer o PIX falso, entre outros crimes. A ideia é não deixar de lucrar, visto que nem todos os clientes possuem dinheiro suficiente para adquirir o pacote, que pode variar de preço a depender da escolha das modalidades.
“Tenho esquema de Mercado Pago, virada de saldo do PicPay, esquema em restaurantes específicos como o Ifood. Tenho esquemas na Loja Americanas e Casas Bahia”, afirma um dos estelionatários em uma publicação do Facebook.
Contas bancárias
Alguns criminosos que participam de uma quadrilha atuante em alguns estados, inclusive, em Goiânia, anunciam ainda a venda, aluguel e procura de contas bancárias de diferentes instituições financeiras como: Santander, Nubank, Itaú e Mercado Pago. Entre as contas oferecidas há opções com selfie (conta com foto, onde a pessoa realiza saques com reconhecimento facial) e sem selfie (conta normal, sem reconhecimento facial).
Para os mais exigentes, há as opções de contas bitz (conta-corrente digital do tipo ‘não-bancarizada’. Ou seja, se trata de uma conta de pagamentos pré-paga) e conta volts (conta digital, que permite o acesso aos serviços de pagamentos de contas e boletos pelo aplicativo, saques em caixas da rede banco 24horas, transferências via pix, cartão sem anuidade e cartão virtual).
“É comum. É claro que há uma regra para fornecer essa conta. Conforme o dinheiro vai encontrando na conta utilizada pelo fraudador, o laranja (quem empresta, vende ou aluga a conta) ganha um percentual. Se usar a conta 10 vezes, 10 vezes ele vai receber esse valor. Porém, também é comum o criminoso criar uma conta e a vender por um valor pré-combinado. As pessoas sabem que é para a prática de ilícito”, explica o delegado titular da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (DEIC), Paulo Ludovico.
Valores e parcelas
Os valores das contas variam de R$ 20 a R$ 70, conforme apurado pelo repórter. Um homem da Bahia que se identificou como Pablo, por exemplo, ofereceu 11 contas em nomes de laranjas durante uma conversa pelo WhatsApp. Nos prints das contas disponibilizadas pelo criminoso é possível ver valores de possíveis fraudes que chegam a mais de R$ 1,3 mil, cada transação.
Uma das contas, por exemplo, era do Nubank. Segundo Pablo, a conta é bem movimentada e possui limite de transações por PIX de R$ 50 mil por dia. Porém, além do valor cobrado pelo homem, o repórter teria que desembolsar 15% do valor de cada transferência, como se fosse uma espécie de aluguel. Ou seja, uma movimentação de R$ 500, renderia R$ 150 ao laranja.
Durante o diálogo, o criminoso chegou a oferecer uma ‘parceria’ ao repórter, se comprometendo a ‘lavar’ o dinheiro de cada golpe. Esse processo de lavagem seria realizado por um outro integrante da quadrilha chamado Humberto, residente em Goiânia.
“Ele sempre manda pagamento pra mim, não recebe, apenas envia. A gente cobra esse preço para o dinheiro chegar limpo em você. A gente faz várias transações em diferentes contas para não rastrear”, escancarou o criminoso.
Despistam autoridades
O delegado diz que esse processo de realizar múltiplas transferências é utilizado pelos estelionatários para evitar a prisão por meio do reconhecimento da conta. Os laranjas servem como uma espécie de ‘cortina’. O processo de localizar esses golpistas é complexo, mas se resume em localizar o laranja (o mais vulnerável dentro do esquema criminoso) e, posteriormente, o fraudador.
O investigador conta ainda que o laranja, assim como o estelionatário, também pode ser preso por participar dos golpes. A pena para esse tipo de crime varia de um a cinco anos, além de multa que pode chegar a R$ 10 milhões.
“A conta bancária é pessoal e intransferível. Tanto é que quando a pessoa vai ao banco ou então usa os meios eletrônicos para abri-la, eles pedem uma prova de vida para confirmar a identidade do usuário. Isso precisa ficar bem claro”, concluiu.
Todo material levantado pelo Opção foi repassado à Polícia Civil (PC).