Programa de leitura de 2023 de escritores e intelectuais, como Lêda Selma e Cintia Moscovich

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Lêda Selma

Poeta, cronista, contista e membro da AGL 

Como sempre digo, a literatura é tudo para mim: tábua de salvação, muro das lamentações, porto seguro, escoadouro de angústias, nascente de inspiração. Por seu intermédio, empreendo a travessia também para meu aperfeiçoamento humano. Ler me induz a escrever. Sempre. Todavia, em 2023, a escrita será minha prioridade, o que não quer dizer que já não tenha agendado as leituras, para os intervalos entre um poema e uma prosa, ou durante a seleção de meus contos, crônicas e “crontos” (neologismo que criei para abarcar os textos indefinidos) que, após remexidos e requentados, serão reunidos em um só volume.

No descanso pós-festas de fim de ano, estarei com Miguel Jorge em “As noites que não deveriam existir”, título de um dos contos do livro, que já desperta curiosidade e desejo de saber o porquê de tal certeza. Na segunda “orelha”, Enéas Athanázio aponta uma pista. Irei atrás dela.

Meu próximo pouso, o box, contendo três livros: “As interfaces da Poesia: A Raiz da fala II e Arte de Armar III”, de Gilberto Mendonça Teles, e “Poesia e crítica” – Trilogia poética de Gilberto Mendonça Teles, de Rosemary Ferreira de Souza. Aí, já se foi janeiro…

Parada seguinte, revisitação à “Poesia Sempre — Suécia”, Revista, com porte de livro, nº 25/2006, Fundação Biblioteca Nacional. Olhar atento ao tomo, organizado por Márcia Sá Cavalcante Schuback, “Antologia — Poesia Moderna da Suécia”, com os pensamentos de Edith Södergan, poemas de Gunnar Björlin, Karin Boye, Harry Martinson, Gunnar Ekeöfos, Katarina Fronstenson, Ann Jäderlund, Birgitta Trotzig… e haikais de Tomas Tranströmer, Nobel de Literatura/2011. Também, especial interesse ao tomo “De Pessoa a Gullar, a poesia de língua portuguesa na Suécia”, meu passeio será na companhia dos poetas Alberto Caeiro, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Adélia Prado, Ferreira Gullar, Murilo Mendes, João Cabral de Melo Neto, Cassiano Ricardo… E fevereiro terá ficado no ontem…

Março, com águas ou sem águas, está na fila da leitura: “A menina morta”, de Cornélio Penna, e “Cultura Geral — Tudo que se deve saber”, de Dietrich Schwanitz. Nas releituras, “Pedro Páramo”, o primeiro livro (romance) de Juan Rulfo, e “As palavras”, de Sartre, genuíno passeio pelas lembranças de sua primeira década de vida, sob rigoroso processo autoanalítico. E, com as palavras, despediu-se da literatura. Apenas, direi, para insuflar a curiosidade de quem não conhece esse livro, que Sartre embrenhou-se nas trilhas e bifurcações da linguagem e das palavras, com o livro feito timoneiro, para demonstrar como essa tríade estabelece vínculos com o conhecimento humano. A propósito, Sartre, um dos meus filósofos preferidos, na juventude, ainda hoje, instiga-me a ler e reler algumas de suas obras. Minha admiração inicial fundamentava-se em seus postulados existencialistas, em busca do sentido da existência, sob o arrimo do poder ilimitado da liberdade, das escolhas pessoais e do compromisso do Homem com os valores humanísticos, focados na altivez humana, atalho para a legítima dignidade. E, mesmo no limiar da juventude, percebia e fascinavam-me as ideias disseminadas em todas as vertentes de suas obras. Para janeiro, reservei mais uma releitura da primorosa obra autobiográfica,

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Gilberto Mendonça Teles

Poeta, crítico e membro da AGL

Para 2023, tenho dois projetos em desenvolvimento: o primeiro, iniciado em junho deste ano e programado para terminar em março de 2023, o de re/reunir todos os meus livros de poemas, incluindo os já contidos em “Hora Aberta” (Editora Vozes, 2003) em uma “Nova Hora Aberta”, em dois volumes, ou pela J. Olympio ou pela Editora Batel.

O segundo resume-se na leitura ou releituras de livros (todos em papel bíblia), visando a um trabalho sobre uma “História Gilbertiana da Literatura Brasileira”:

A — Fragmentos da Épica Grega Arcaica. Madrid, Gredos, 1979.

B — Obra Completa de Fernando Pessoa. Poética e Prosa. Porto, Lello, 3 v.

C — Obras Completas de Pablo Neruda. Buenos Aires, Losada  2 v.

D — Obra Completa de João Cabral de M. Neta. Rio, Nova Aguilar, 1994.

E — Poesia Completas de Mario Quintana. Rio, Nova Fronteira,2005.

F — Obras Completas de João Guimarães Rosa. Nova Aguilar, 1994, 2 v.

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Martha Batalha

Escritora

Quero que 2023 seja um ano principalmente de releituras. Chico Buarque, Gabriel García Márquez, George Saunders, Graciliano Ramos e Carlos Lacerda (esse mesmo, o político) são alguns dos autores que gosto de reler esporadicamente.

“Leite Derramado”, de Chico Buarque. É um livro que me fascina pela cadência e fina ironia. O protagonista é um velho de sobrenome importante, que foi rico na juventude (o pai era político e fazendeiro) e foi perdendo tudo ao longo da vida. É incrível como o autor consegue mostrar tanto da cultura e história recente do país através da trajetória do protagonista. 

“Amor nos Tempos do Cólera” e “Viver para Contar”, dois livros de García Márquez que gostaria de reler. Em 2022 eu reli “Cem anos de Solidão” e “Memórias de minhas putas tristes”. A escrita de Garcia Márquez é rica sem ser exagerada, os inúmeros adjetivos não são excessivos, mas um modo de enriquecer a prosa e de tornar mais precisa a narrativa. Há frases do autor que eu preciso reler, para absorver a beleza.

“Diário de um Cucaracha”, de Henfil. Um apanhado de cartas escrito por Henfil para amigos durante o tempo em que esteve nos Estados Unidos se tratando devido à hemofilia. O livro foi publicado nos anos 1970, e fala, entre outras coisas, das diferenças culturais, das dificuldades de publicar seus cartuns no exterior. Estou curiosa para saber como esse artista genial foi recebido nos Estados Unidos, e como viu o país.

“A casa do meu avô”, de Carlos Lacerda. Por muito tempo eu me recusei a ler Carlos Lacerda, o político e jornalista carioca, por discordar de sua visão política. Mas há alguns anos eu me vi diante deste livro de crônicas, “A casa do meu avô”, e decidi folhear. Eu descobri que Carlos Lacerda é um autor espetacular, de sentenças belíssimas, e capaz de recriar o universo de sua juventude com primor e lirismo nas páginas deste pequeno livro.

“Pais e filhos”, de Ivan Turguêniev. É um clássico sobre um conflito de gerações e de ideias, que se passa numa Rússia anterior ao comunismo, marcada por extrema pobreza e riqueza. 

“Oh William”, de Elisabeth Strout. Já li todos os livros de Strout, menos este, lançado recentemente. Ela constrói personagens imperfeitos e muito humanos.

“Noites Azuis”, de Joan Didion. Comecei a ler Joan Didion recentemente. É uma autora de prosa elegante e sofisticada, e que eu leio como parte do aprendizado do ofício de escritora. Seus ensaios são densos, inteligentes e originais.

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Raquel Naveira

Escritora e membro da Academia Sul-mato-grossense de Letras

Minha paixão sempre foram os livros, a leitura e a escrita. Minha forma de ser e estar no mundo. Gosto de listas. São sempre um ponto de partida. Continuarei lendo e relendo livros de cabeceira como a Bíblia, notadamente os livros sapienciais atribuídos a Salomão como o “Eclesiastes”, os “Provérbios”, o sublime e sensual “Cântico dos Cânticos”; dos clássicos gregos e latinos em geral, eu destacaria a “Eneida”, de Virgílio, que narra a epopeia da Guerra de Troia e do mito da fundação de Roma; “As Flores do Mal”, poemas de Baudelaire traduzidos por Guilherme de Almeida, para sentir a modernidade da linguagem poética e as difíceis decisões de uma bela tradução;  “O Eu Profundo e Outros Eus”, do Fernando Pessoa,  coletânea com os poemas de seus principais heterônimos; “Flor de Poemas” e “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles; os contos epifânicos de “Laços de Família,  da Clarice Lispector; “Rosa do Povo”, auge de Carlos Drummond de Andrade; os contos fantásticos e as memórias de Lygia  Fagundes Teles, citaria “A Disciplina do Amor”;  os poemas telúricos e cheios de imagens de Manoel de Barros como em “Livro sobre Nada”; os romances de Nélida Piñon, como o “República dos Sonhos”, sobre suas origens galegas e a imigração dos espanhóis no Brasil.

Mas há uma pilha dos novos, contemporâneos, recebidos que preciso ler, responder, comentar com os autores como “O Poema Secreto de S.J”, do poeta sul-mato-grossense Emmanuel Marinho, um longo poema com variações sobre o nome “João”, de São João Batista a João Guimarães Rosa;  “Aríete”, poemas contundentes e críticos de Ricardo Vieira Lima ; “Enfim, Imperatriz”, de Maria Fernanda Elias Maglio, contos sobre mulheres únicas, espalhadas pelo imaginário; o romance “Extremo-Oeste”, de  Paulo  Fehlauer, em que reconheço as paisagens dos rios Apa e Paraná, os caminhos indígenas percorridos  por homens de outras eras, na linha da fronteira.

A cada dia de 2023 estarei me comunicando espiritualmente com escritores do passado e do presente, pois a literatura é uma arte atemporal.

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Cíntia Moscovich

Escritora

Tenho uma longa lista de livros que quero ler ou que quero voltar a ler, fato que, claro, não impede que surjam novas surpresas e urgências. Para já, minha lista de cabeceira inclui “A vida futura” (Companhia das Letras), do carioca Sérgio Rodrigues, um dos melhores textos e de humor mais refinado da literatura em língua portuguesa. Com ele, está Rosa Amanda Strausz e sua “A cabeça cortada de Dona justa” (Rocco), que saboreei nos originais e que quero, com urgência, ler em livro. A Rosa tem um texto delicioso e, aqui, namora com o real fantástico e com uma espécie de humor muito peculiar.

Nesta lista também incluo o “Querida cidade” (Record), de Antônio Torres, um dos monstros do texto e cujo volume me aguarda faz tempo.

“Bonequinha de Lixo” (Diadorim), de Helena Terra, e a “Teoria de Marie Schrwamm” (Bestiário) são dois livros de conterrâneos que me esperam — ambos os autores maravilhosos e que, por um acaso geográfico, acabam insulados nesta ponta do país. Isso depois de eu vencer “Outro lugar” (Todavia), da israelense Ayelet Gundar-Goshen, um policial-suspense ao qual me atirei com voracidade, e “A descoberta da escrita” (Companhia das Letras), do premiado de Karl Ove Knausgård. Também me olha do alto da pilha “Estudo sobre o fim: bangue-bangue à paulista” (Reformatório), de Paula Fábrio, que promete um rico painel social a partir de um roubo de bicicletas. O Jabuti me trouxe a urgência de ler “O som do rugido da onça” (Companhia das Letras), de Micheliny Verunschk. Também entram na lista os livros de Annie Ernaux, “Os anos” e “Vergonha”, ambos da Fósforo. Mas há mais, sempre há mais, muito mais.

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Itaney Campos

Poeta, desembargador e membro da AGL

As eleições de 2022 ensejaram o aparecimento, no horizonte social e político brasileiro, de um movimento inusitado, surpreendente mesmo: uma corrente ideológica fundada em valores conservadores, declaradamente de extrema direita, fundamentalista, defensora da ruptura da ordem democrática, para a instauração de um governo autoritário, a pretexto de achar-se o país sob o risco de implantação do regime comunista.

Os militantes desse pensamento de direita, reunidos sob a bandeira hasteada pelo ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, eleito presidente da República em 2018, assumiram um discurso de ódio e intolerância, culminando em tentativas de desacreditar o sistema de Justiça e os movimentos de esquerda. Essa aspiração a um Estado totalitário, de verniz fascista, surpreendeu os analistas políticos, dada a virulência de sua propagação nas redes sociais, desbordando para a realidade social. O verniz da convivência pacífica, o mito da cordialidade do brasileiro e sua proclamada tolerância com o diferente foram atropelados, desenhando-se uma sociedade dividida, hostil, capaz de violências inesperadas.

As raízes desse pensamento radical, as formas de sua divulgação e cooptação de adeptos, a contribuição da liderança evangélica, o seu projeto de poder, sob a liderança de Bolsonaro, são o objeto de análise do livro “O Ovo da Serpente — Nova Direita e Bolsonarismo: Seus Bastidores, Personagens e a Chegada ao Poder”, de autoria da jornalista fluminense Consuelo Dieguez, editado pela Companhia das Letras, em 2022. Pela atualidade do tema e acuidade da pesquisa, torna-se uma leitura indispensável para a compreensão destes tempos conturbados.

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Irapuan Costa Junior

Escritor, tradutor e ex-governador de Goiás

Na minha lista de leitura para 2023 figuram três romances históricos de João Morgado.

Um sobre a vida de Camões (O Livro do Império”, Editora Clube do Autor, 344 páginas), outro sobre Vasco da Gama (“Índias — Vasco da Gama, o herói imperfeito da História de Portugal”, Editora Clube do Autor, 295 páginas) e outro mais, sobre Fernão de Magalhaes (“Fernão de Magalhães e a Ave-do-Paraíso”, Editora A Esfera dos Livros, 320 páginas)

Na minha lista figura também um livro de história: “Os Cavalos de Hitler — A incrível e verdadeira história do detetive que se infiltrou no submundo nazi” (Porto Editora, 224 páginas, de Arthur Brand. A obra trata da busca de umas esculturas desaparecidas da Chancelaria de Hitler na queda de Berlim, em 1945. O “Daily Telegraph escreveu: “O ‘Indiana Jones’ do mundo da arte”. O “The Wall Street Journal”: “A história de como dois enormes cavalos de bronze […] de Hitler foram recuperados — e que inclui confrontos com […] nazis — é melhor do que qualquer filme”.

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Lima Trindade

Escritor

Minhas leituras são absolutamente caóticas. Não me preocupo em ler os livros mais falados do momento, os mais vendidos, os mais polêmicos, os mais mais disso ou daquilo. Nunca fui de engrossar coro de igreja nem de apostar corrida por páginas vencidas. Ao mesmo tempo, não deixo de ler o livro mais falado do momento, o mais vendido e o mais polêmico se o assunto e as características do autor provocarem em mim alguma curiosidade circunstancial. Pois, no fundo, é a curiosidade circunstancial, aliada ao prazer estético e reflexivo, que me orienta. E, para arte e conhecimento, tenho zero pressa. Livro bom não tem data de validade.

Em 2023, pretendo ler os seguintes títulos:

 “A fina flor de Stanislaw Ponte Preta” (Cia das Letras, 2021), seleção de Álvaro Costa e Silva. Houve um tempo no Brasil em que nossos cronistas eram soberanos na interpretação dos absurdos de nossa realidade imediata, nossos costumes e nossa cultura, falando das páginas dos jornais e revistas para um amplo e multifacetado público. Pela sofisticação do humor, originalidade e segurança estilística, Stanislaw se tornou uma referência inescapável.

“O Pai Goriot”, de Honoré de Balzac. Se Oscar Wilde afirmou que a leitura constante de Balzac reduz os amigos vivos a sombras e os conhecidos a fantasmas de sombras, imagine-se o impacto que um romance como “O Pai Goriot” pode produzir, sendo considerado por tantos escritores renomados uma obra-prima, um dos pilares de “A comédia humana”, condensando exemplos de paixões radicais, ambição e poder.

“Dói-me este mundo de violentas esperanças” (Patuá, 2021), de Sandro Ornellas. O título já dá uma pequena amostra da dimensão e poder verbal desse poeta, sua musicalidade, verticalidade. No dizer da crítica literária Angela Vilma, trata-se de “um livro de poesia em estado natural de enciclopédia”, um livro que traz o mundo: “muitos saberes em profusão de imagens e reflexões em perfeita comunhão de fundo e forma.” Acompanho a trajetória do autor desde 1998, tendo principal apreço por seus livros “Formas de cair” e “Trabalhos do corpo”.

“As noivas fantasmas e outros casos” (L&PM, 2021), de Sergio Faraco. Tudo o que Faraco publica me interessa. Ele é um mestre do conto contemporâneo. Seus textos exibem um absoluto domínio de linguagem, concisão, clareza e carga dramática. Este seu mais recente livro traz 46 crônicas inéditas onde a lembrança do convívio com os escritores Mario Quintana e Erico Verissimo, por exemplo, se mistura a relatos de um show de Marlene Dietrich em Moscou ou reflexões a respeito da invenção do futebol.

“Eu, o júri” (Rocco, 1990), de Mickey Spillane. Embora seja fã de filmes noir e aprecie o gênero policial em literatura, antes de ler o mangá Vida à Deriva” (Vveneta, 2021), de Yoshihiro Tatsumi, eu ainda não tinha me interessado pelo gênero Hardboiled de Spillane. Esta é a primeira narrativa onde o célebre detetive Mike Hammer aparece. Estou interessado em descobrir a maneira como Spillane trabalha a violência, o sexo e a ação em suas tramas.

“As laranjas iguais” (Nova Fronteira, 1985), de Oswaldo França Júnior. A leitura da novela “Jorge, um brasileiro” me causou uma poderosa impressão. A maneira arriscada como o autor trabalha a voz do narrador, fazendo abundante uso de conjunções e pronomes relativos para uma história de tamanho fôlego, a construção de suas cenas, a manutenção do suspense em situações aparentemente banais e repetitivas, bem como o ritmo de suas ações são admiráveis. Agora, quero ver como ele se saiu neste livro de contos.

Por fim, nutro esperanças que alguma editora de valor tome vergonha e traduza para o português os dois últimos livros de memória do aclamado “Edmund White: inside a pearl: my years in Paris” (2014) e “The unpunhished vice: a life of reading” (2018); assim como adoraria ler “Vizunga”, do gênio Flavio Colin, um clássico das histórias em quadrinhos nunca publicado em livro.

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Solemar Oliveira

Escritor e membro do Conselho de Cultura do Estado de Goiás

Ler para escrever. Ler muito mais do que escrever. Ler muito para escrever bem. Ler, ler, ler. Tudo certo. Há um magnetismo gradual na leitura, sobretudo para aquele que insiste. Ou seja, ler faz ler mais. Quanto mais lemos, mais queremos ler.

Marcel Proust, na introdução de seu prefácio para o livro “Sésame et les Lys”, de John Ruskin, diz: “Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido”.

Nesse sentido, ler não é uma ideia. É um exercício contínuo e gratificante. Ler é ação. Ler é a ruptura da inércia. Escrever é consequência. Escreve bem quem leu e lê com qualidade! Ler para evitar o dilema que ocorreu com uma das minhas personagens, em certo momento crucial, que declarou: “Nunca estava concretamente convencido se devia terminar uma frase e começar outra ou alongá-la até obter o significado desejado com as somas de todas as palavras que imaginava estar, rigorosamente, distribuindo na linha”.

Depois desse discurso meio óbvio, mas que precisa ser repetido à exaustão, segue a lista de alguns dos livros selecionados para serem lidos, por mim, em 2023. Entre eles, ficção e não ficção. A leitura para o entretenimento e a leitura para o aprendizado da leitura, e da escrita.

Ficção

1 — “Rinha de galos” – Livro da premiada escritora equatoriana Maria Fernanda Ampuero, que tem como epígrafe, que instiga a leitura, a terrível frase de Fabián Casas: Tudo que apodrece forma uma família;

2 — “Contos morais” – Livro do sul-africano J. M. Coetzee, ganhador do Nobel de Literatura em 2003, famoso pelo seu romance cortante e atual Desonra;

3 — “As convidadas” – Livro da excelente escritora portenha Silvina Ocampo. Depois de A fúria, não espero menos que um livro primoroso;

4 — “Coivara da memória” – Livro do escritor sergipano Francisco Dantas, possui um título que por si só é uma maravilha;

5 — “Contos reunidos” – Livro de Dostoiévski que reúne 28 contos escritos durante toda a sua vida de escritor. Para dar sequência à missão de concluir a leitura da obra do russo em português;

6 — “Enervadas” – Livro da escritora carioca Cecília Moncorvo Bandeira de Melo ou, simplesmente, Chrysanthème. Será um mergulho numa experiência diferente;

7 — “A gargalhada de Sócrates” – Livro do escritor Nelson Moraes Alves, exaltado pelos pares e que eu já devia ter lido há algum tempo;

8 — “Contos escolhidos de Miguel de Unamuno”, com tradução do anapolino Tobias Goulão, com uma edição belíssima e muito bem realizada.

Não-ficção

1 — “Por que escrever — Conversas e Ensaios Sobre Literatura (1960-2013)” – Livro do grande injustiçado pela Academia, o escritor norte-americano Philip Roth, um dos meus preferidos, é um compêndio de ensaios sobre Literatura e autores;

2 — “A loucura e as letras” – Livro do inventor do detetive Padre Brown, G. K. Chesterton, que trata de Literatura com toda a experiência e competência de um dos mais importantes eruditos mundiais, são textos extraídos das colunas do autor no “Daily News.

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Leandro Almeida

Editor

A literatura possibilita abrir inúmeras janelas de oportunidades para quem lê. Propicia viajar por terras distantes e imaginárias, se apaixonar nas rimas e ritmos das palavras, encontrar heróis do passado e do futuro, e além da expansão do conhecimento, crescer e se desenvolver como pessoa.

Durante todo o ano de 2022 mantive o foco no comportamento humano e em adquirir novas habilidades.

Em 2023 pretendo diversificar os gêneros literários, aos quais dedicarei minha atenção.

A seguir, compartilho alguns títulos que farão parte de minhas leituras para o ano vindouro.

“Viagem ao Araguaia” — Couto Magalhães

“Também guardamos pedras aqui” — Luiza Romão

“Sentimento do mundo” — Carlos Drummond de Andrade

“Sobre a escrita: A arte em memórias” — Stephen King

“O poder do hábito” — Charles Duhigg

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José Fábio da Silva

Escritor e membro da Academia Anapolina de Letras

No decorrer de 2022, o meu objetivo era ler livros que não consegui ler no ano anterior. Para o próximo ano, a saga é a mesma. Passo livros novos na frente de antigos e a fila continua interminável. E que seja assim até o fim dos tempos. Como uma biblioteca borgeana administrada por Umberto Eco. Se é que isso faz algum sentido.

Para isso dividi as minhas leituras da seguinte forma: 1. Livros que iniciei esse ano; 2. Livros que não consegui ler desde o ano passado; 3. Livros que adquiri em 2022; 4. Clássicos que planejo ler a muito tempo; 5. Literatura produzida em Goiás.

1 — Livros que iniciei este ano

Eu tenho o hábito de ler contos intercalados com outros tipos de leitura. Como um café ou aperitivo entre as refeições. Como é algo que faço sem pressa, acaba que muitos deles demoram para chagar ao fim. Esses, pretendo finalizar até o início do ano que vem.

1.1 — “Erva Brava”, de Pauline Tort

1.2 — “Corpo útil”, de Luiz Medeiros

1.3 — “Búfalo no Laranjal”, de Rodrigo Lages Leite

2 — Livros que não consegui ler desde o ano passado

Aqui estão livros que desejo muito ler, mas não quero começar de qualquer forma. Acabo enrolando para iniciar a leitura e nunca começo. Mas ano que vem, vai dar certo.

2. 1 “Flores para Argernon”, Daniel Keyes

2. 2 “Travessuras da menina má”, Mario Vargas Llosa

2. 3 “O sumiço”, George Perec

3 — Livros que adquiri em 2022

A maior parte dos leitores têm esse hábito de comprar livros, amontoar em pilhas de futuras leituras e aumentá-la sem a intenção de terminá-las. Mas, ano que vem, esses saem desse amontoado.

3. 1 “Ninguém precisa acreditar em mim”, Juan Pablo Villalobos

3. 2 “Contos escolhidos”, Miguel Unamuno

3. 3 “Jerusalém”, Gonçalo M. Tavares

4 — Clássicos que planejo ler há muito tempo

Talvez, de todas as leituras adiadas, os clássicos estão no topo da lista. Afinal, não existi vida longa e próspera o suficiente para ler as obras que marcaram gerações ou mantiveram-se vivas ao longo do tempo.

4. 1 “O coração é um caçador solitário”, Carson McCullers

4. 2 “O beijo no asfalto”, Nelson Rodrigues

4. 3 “As intermitências da morte”, José Saramago

5 — Literatura produzida em Goiás

Não sou do tipo ufanista, nem bairrista ou mesmo gosto de reduzir livros ao seu local de “nascimento”. Mas sabemos que existem nichos regionalistas, livros que marcam a história da literatura de um determinado estado ou não atravessam, apesar de sua importância, as fronteiras do próprio país. Isso, todavia, não denota sobre a qualidade do livro, muitas vezes é questão de espaço e divulgação no mercado literário. Esse ano, li obras produzidas por autores residentes em Goiás que poderiam estar nas prateleiras das grandes livrarias ou na lista dos mais vendidos de qualquer plataforma ou revista virtual. Cito sem medo de errar “Expedição Abissal”, de Hélverton Baiano e “Breve segunda vida de uma ideia”, de Solemar Oliveira. Causam aquela sensação, “cara esse negócio é muito bom, nem parece que conheço a pessoa que escreveu isso.” Para o próximo ano, pretendo ler mais os “frutos da terra”, mas vou citar apenas alguns para evitar empurrar mais leituras para o ano seguinte.

5. 1 “Hirudo Medicinallis”, Ademir Luiz

5.2 “As noites que não deveriam existir”, Miguel Jorge

5. 3 “Jantar às 11” e “Contos da quinta avenida”, Cristiano Deveras

Sei que não mencionei livros de crônicas e poesias. Foi proposital. Se os citasse aconteceria com essa lista o mesmo que ocorre com os projetos de leituras anuais, ficariam intermináveis. Mas pretendo para o próximo ano me aprofundar um pouco mais nas crônicas e, dentre outros, continuar a ler e reler João Cabral de Melo Neto.

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Carlos Willian Leite

Poeta, editor da “Revista Bula” e presidente do Conselho de Cultura de Goiás

Não tenho uma lista fechada de leituras, muitos livros serão descobertos no percurso do ano. Mas, entre os remanescentes de 2022 e alguns lançamentos previstos para 2023, destaco alguns títulos.

Livros ficcionais: “Afirma Pereira”, do italiano Antonio Tabucchi, que narra a história de um jornalista que ganha a vida traduzindo contos para um suplemento cultural, durante a ditadura de Salazar, em Portugal. “Ragtime”, de E. L. Doctorow, que intercala a história de uma família disfuncional, com grandes personagens e acontecimentos da história norte-americana. “Topeka School”, do americano Ben Lerner, drama familiar que reflete sobre padrões que se repetem ou se rompem a cada geração. Também aguarda, em uma caixa esplêndida, “Tempo de Migrar para o Norte”, do sudanês Tayeb Salih, que mostra os martírios de um homem solitário dividido entre dois continentes. Por fim, entre os livros obrigatórios, e já devidamente empilhados, estão: “As Pontes de Konigsberg”, “O Exército Iluminado” e “O Último Leitor”, todos do mexicano David Toscana, autor do magistral “Lontananza Bar”.

Livros brasileiros: hora de corrigir uma deficiência histórica e ler “Vila dos Confins”, primeiro romance do mineiro Mário Palmério, que retrata o processo eleitoral no Brasil do início do século 20, onde imperava o poder dos coronéis. Também, na lista, “Caieira”, de Ricardo Guilherme Dicke, de quem li “Madona dos Páramos”. E, ainda, “Os Desvalidos”, de Francisco Dantas, de quem li, há muitos anos, “Coivara da Memória”.

Entre os poetas estão “Onde Nascem os Abrolhos”, de Elias Antunes; “A Pequena Voz Interior e Outros Comícios do Vento”, de Luís Augusto Cassas; “Travessias e Travessuras — Poemas”, de Lêda Selma; “A Nova Utopia”, de Régis Bonvicino; “Poemas Canhotos” e “Letra Aberta”, do português Herberto Helder, que morreu em 2015 (e foi maior que Fernando Pessoa, assim como Sócrates foi maior que Zico).

Lançamentos que pretendo ler: “Um Circo Passa”, de Patrick Modiano, que será publicado pela editora Carambaia; “A Cidade das Colunas”, de Alejo Carpentier, e “A Leste dos Sonhos”, de Nastassja Martin, que sairão pela Editora 34; “Adeus, meu Livro!”, de Kenzaburo Oe, que sairá pela Estação Liberdade. “Departamento de Especulação”, de Jenny Offill; “Escrever é Muito Perigoso”, de Olga Tokarczuk, e “Death in Her Hands”, de Ottessa Moshfegh, todos pela Todavia.

No entanto, a grande expectativa do ano é para “Stella Maris”, a quase continuação de “O Passageiro” (com ótima tradução de Jorio Dauster), de Cormac McCarthy (o maior escritor vivo do mundo e um dos maiores da história), lançado nos estertores de 2022. O livro saiu em inglês e espanhol, e deve sair no Brasil em 2023.

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Ademir Luiz

Professor da UEG e presidente da União Brasileira de Escritores Seção Goiás

2023 chegou e o Brasil segue sendo “o país do futuro”, como escreveu Stefan Zweig. O bom e velho Tom Jobim acrescentaria que o “o Brasil não é para amadores” e, puxando a frase lapidar de Jota Junior, “se cobrir vira circo, se cercar vira hospício”. Mas, considerando que “um país se faz com homens e livros”, como pregou o profeta lupino Monteiro Lobato, quem sabe se cercarmos, cobrirmos e espalharmos uns livros aqui e ali, em meio ao pão, ao circo e aos malucos belezas, talvez possamos sobreviver mais um tempo, esperando o futuro do pretérito tornar a chegar, trazido pelo Dom Sebastião do turno.

“Para não dizer que não falei das flores”, trago doze livros que pretendo ler ao longo dos próximos doze meses. Não que pretenda, ou possa, ficar apenas neles, mas espero que seja um bom começo.

Abro a lista de 2023 com a vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2022, a escritora francesa Annie Ernaux. Para variar, parece que os suecos acertaram. “O Acontecimento”, lançado pela editora Fósforo, é uma reflexão nua e crua sobre a condição feminina pensada a partir de uma experiência vivida pela autora em 1963: sua via crucis física e emocional para conseguir realizar um aborto em um país no qual o aborto clandestino era crime. 

O aborto é um tema que divide opiniões, assim com o Brexit. Por isso, meu segundo livro será “Igualzinho a você”, do inglês Nick Hornby, muito conhecido pelo best-seller espertinho “Alta Fidelidade”. O romance, lançado pela Companhia das Letras via Tag, a partir de uma estrutura de comédia romântica literária, especialidade de Hornby, discute a polêmica questão do plebiscito sobre o Brexit, que terminou com a saída da Inglaterra da União Europeia. O livro promete mostrar como, tanto na vida amorosa quanto nas opiniões políticas e sociais, as pessoas apenas fingem que sabem o que estão fazendo. As dúvidas superam em muito as certezas e as decisões quase sempre são tomadas por razões que a própria razão desconhece. 

Estar cercada de certezas é privilégio para poucas pessoas. Esse parece ser o caso da americana Fran Lebowitz, figura folclórica de Nova York que ganhou popularidade com a série “Faz de conta que NY é uma cidade”, produzida pela lenda viva Martin Scorsese para Netflix. Ela foi vendida como uma versão feminina de Woody Allen, mas o livro “O Almanaque de Fran Lebowitz”, lançado pela editora Todavia, mostra que essa simplificação não passa de uma estratégia de marketing. Discutindo temas tão diversos quanto artes, esportes, crianças, o planeta Marte, greve de escritores ou a tradição grega de matar portadores de más notícias, Fran mostra como é possível ser cosmopolita sem sair do lugar. No caso, da Grande Maçã.

Nada menos cosmopolita do que os personagens patéticos de “Contos do Escritório”, primeiro livro lançado no Brasil do célebre escritor argentino Roberto Mariani. Um verdadeiro serviço de utilidade pública da editora Martin Claret. Usando sua experiência pessoal em escritórios, Mariani deu forma literária para uma das figuras mais presentes da modernidade, o “homem pouco”. Na introdução do volume de contos lemos que “o homem pouco” pode ser definido como o indivíduo de “classe média, temeroso de perder prestígio, disposto à humilhações para conseguir uma promoção”. Quem não conhece um ou muitos exemplares da espécie?

O exato oposto de um homem notável como o irlandês Oscar Wilde. No livro “A decadência da mentira e outros ensaios”, lançado pela Editora Nova Fronteira, Wilde parte de reflexões sobre arte e estética para revelar a mediocridade e a hipocrisia que assombram a sociedade moderna. Publicados originalmente em 1891, seguem sendo textos muito atuais.

O mesmo pode ser dito de “Gênio & Nanquim – ensaios literários”, da inglesa Virginia Woolf, publicado pela Harper Collins via Tag. Neste livro, Woolf trata das obras de alguns de seus colegas de gênio como George Eliot, Henry James, Joseph Conrad, Montaigne e outros quase tão respeitáveis quanto.  

Virginia Woolf não escreveu sobre de Eça de Queiroz. Felizmente, o brasileiro Miguel Sanches Neto, sim. O autor, um dos melhores de sua geração, está se despedindo do debate público e da criação literária. Vamos aproveitar enquanto é tempo. No romance “O último endereço de Eça de Queiroz”, lançado pela Companhia das Letras, Miguel Sanches Neto parte de uma sofisticada narrativa de ficção para revisitar e refletir sobra às obras de diversos mestres da literatura lusófona, como Camões, Saramago e o próprio Eça.

Falando em Portugal, o próximo livro é “Os Malaquias”, romance de estreia da brasileira Andréa Del Fuego. Livro vencedor do Prêmio José Saramago, relançado agora pela Companhia das Letras. A narrativa é centrada em uma família de camponeses envoltos com disputas de terra e lugares mágicos. Fontes confiáveis me asseguraram que “Os Malaquias” é tudo que “Torto Arado” tentou ser e não conseguiu.

Nesta ponte-aérea Brasil – Portugal encontra-se “A eternidade e o desejo”, da escritora portuguesa Inês Pedrosa, autora do clássico contemporâneo “Fazes-me falta”. Lançado pela editora Alfaguara, o romance acompanha uma jovem portuguesa que, guiada pelos sermões de Padre Vieira, visita Salvador, a cidade do misticismo e do desejo. Uma reflexão sobre os limites e as imbricações entre o sagrado e o profano, “A eternidade e o desejo”, promete ser mais um ótimo exemplo da prosa poética de Inês Pedrosa, uma autora que sempre faz falta. 

Poesia é o tema de “Samarcanda”, de Amin Maalouf, lançado pela editora Tabla via Tag. O romance trata de um dos maiores mistérios da história da literatura, o destino do manuscrito do clássico da saberia oriental “Rubayat”, do filósofo e poeta persa Omar Khayyan, que precisou esperar cerca de 800 anos para ser redescoberto. Felizmente, fiz essa descoberta antes.    

Da mesma forma que os suecos descobriram o turco Orhan Pamuk em 2006, concedendo-lhe o Prêmio Nobel de Literatura. Seu livro “A Mulher Ruiva”, lançado pela Companhia das Letras via Tag, é uma espécie de romance de formação. Esse gênero sempre me interessou. Veremos o que esses cabelos ruivos reservam. 

Indo ainda mais para o Oriente, chego até a descrição da China rural feita pela escritora americana Pearl S. Buck no romance “A boa terra”, na edição da década de 1980 feita pela Editora Abril. Aliás, o ano novo chinês começará em 22 de janeiro e terminará no dia 9 de fevereiro de 2024. Será o Ano do Coelho, regido pelo elemento água. Considerando que o futuro, de acordo com as melhores teorias da conspiração disponíveis no mercado, deve ser chinês ou islâmico, é melhor estarmos preparados.

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Luiz Cláudio Veiga Braga

Escritor e desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás

Para iniciar o ano de 2023 como boa leitura, elegi os seguintes títulos: “Vera Cruz — A Vida Desconhecida de Pedro Álvares Cabral” (Clube do Autor, 508 páginas), “Índias — Vasco da Gama, o herói imperfeito da História de Portugal” (Editora Clube do Autor, 295 páginas), “Índias” e “Diário dos Infiéis” (Casa das Letras, 176 páginas), do escritor português João Morgado; “O Dilema do Porco-Espinho — Como Encarar a Solidão” (Planeta do Brasil, 192 páginas), “Claro Enigma” (Record, 160 páginas), de Carlos Drummond de Andrade, e “Paulo e Estevão”, de Chico Xavier (Editora FEB, 512 páginas).

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Nilson Jaime

Escritor e doutor em Agronomia pela Universidade Federal de Goiás

Recebo a incumbência de Euler de França Belém, editor-chefe do Jornal Opção para elaborar a lista de leituras para 2023. Estabelece o prazo até quinta-feira, 12, que foi postergada para a madrugada seguinte, como é praxe: termino meus escritos após o cantar do galo, que, surpreendentemente, cocoricora no Setor Bueno, por volta de 4 horas, e aos primeiros chilreares onomatopeicos dos bem-te-vis (“Pitangus sulphuratus”) na mata ciliar do Capim-Puba. Aproveito a madrugada para ler ou escrever, hora mais produtiva para minha mente recém ingressa na terceira idade.

Antevejo o crítico literário Marcelo Franco a dizer que essas listas são inúteis, porque quase nunca cumpridas. Me recordo que Carlos Willian Leite, editor-chefe da “Revista Bula”, leu 100 livros no ano passado, como um cachaceiro das Letras, e eu apenas degustei umas três dezenas de títulos. Como um enólogo que, por dever do ofício, desarrolha as garrafas, agita o vinho, sorve, cheira, opina que “há notas de cereja na bebida levemente amadeirada”, dá dicas de harmonização e a deixa de lado.

Claro que tenho prazer na leitura, mas os livros que eu gostaria de ler, de verdade, não são os que me caem às mãos, por dever profissional de pesquisar para escrever. Penso em Euler de França Belém rabiscando os livros com canetas coloridas, enquanto afixo “post it” multicores em cada página para evidenciar algum aspecto relevante. Ou em Ademir Luiz que, além de leitor, é cinéfilo, escritor, crítico, professor, marido e presidente da UBE-Goiás. Haja tempo! Tempo que as redes sociais e o vício de olhar os feeds do Google a todo instante me tira de leitura, outrora curtida por quase duas horas durante a higiene matinal, o que gerava protestos de minhas filhas e mulher.

Relativizo, considerando que essas listas não são inúteis, apenas inócuas, pois me conscientiza dos livros que ficam na posição horizontal (a serem lidos com urgência) em uma das dezenas de estantes que se espalham pela biblioteca, sala de visitas, quartos e até área de serviço de meu apartamento. Vamos à lista, do que eu gostaria de ler, em primeiro lugar, até os que lerei (ou não) por dever de ofício.

1) “O mosquito – a incrível história do maior predador da humanidade” (Intrínseca, 608 páginas), de Timothy G. Winegard. Tradução de Leonardo Alves.

Um livro instigante, que apresenta a epopeia dos atuais 110 trilhões de mosquitos — maiores predadores da natureza e sobreviventes à hecatombe que dizimou os dinossauros —, responsáveis por atormentar a humanidade há 190 milhões de anos, e que será causador da morte de grande parte dos 7,89 bilhões de habitantes da Terra.

2) “Terceiro Reich no Poder” (Planeta, 1024 páginas), de Richard J. Evans. Tradução de Lúcia Brito.

Segundo livro da trilogia que inclui “A Chegada do Terceiro Reich” e “O Terceiro Reich em Guerra”. Um relato do regime nazista entre 1933 e 1939. Por se tratar de um “livrão” de mais de mil páginas, será leitura a conta-gotas, preguiçosa, ao longo de todo o ano.

3) “História do Café” (Editora Contexto, 304 páginas), de Ana Luiza Martins.

Trata-se de um livro comprado por impulso, na Livraria Martins Fontes, da Avenida Paulista, enquanto degustava um café Beirute, no segundo andar. Sorvi a bebida na tarde fria deste janeiro chuvoso, folheei e comprei. Apresenta a história do café de uma maneira literalmente deliciosa. De seus primórdios, na Abissínia, até os cafés parisienses e brasileiros. Um livro minucioso, mas de agradável leitura.

4) “Como evitar a próxima pandemia” (Companhia das letras, 336 páginas), de Bill Gates. Tradução de Pedro Maia Soares e Claudio Marcondes.

O mundo deveria ouvir mais Bill Gates. Bem-sucedido em tudo que faz, e empenhado em causas humanitárias (não importa a motivação, se para fugir dos pesados tributos que o mundo, exceto o Brasil, impõe às grandes fortunas) é visionário e aponta caminhos para a humanidade. Nesse caso, para evitar outra gripe espanhola, Covid 19, ou suas sucedâneas.

5) “Grande Sertão: Veredas” (Companhia das Letras, 559 páginas), de João Guimarães Rosa.

Li “Grande Sertão” enveredado na Biblioteca Central da UFG, Praça Universitária, 1981, enquanto meus colegas do curso de Agronomia se descabelavam para desvendar o terrível Cálculo I, e se impressionavam com minha insensatez suicida. Descubro agora, no limiar da terceira idade, que nunca li “Grande Sertão”. Não foi esse o livro que li, ou não era eu, aquele jovem que buscava conhecer o universo de Rosa. Está sendo uma leitura de descoberta, desse que é o maior livro já escrito no Brasil, ao lado de “Casa Grande & Senzala” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Faz parte das minhas leituras prazerosas, todo dia.

6) “Intérpretes do Brasil – clássicos, rebeldes e renegados” (Boitempo Editorial, 416 páginas), organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco.

Traz as breves biobibliografias de 25 intelectuais brasileiros, como Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Sérgio Buarque de Holanda, Edgard Carone, José Honório Rodrigues, Jacob Gorender, Antonio Candido, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior e Paulo Freire, dente outros. A leitura deste livro permite se conhecer, de forma concisa, a “intelligentsia” nacional.

7) “Expedição Abissal” (Astrolábio, 252 páginas), romance de Hélverton Baiano.

Este livro faz parte das minhas leituras atrasadas. Pretendo lê-lo por curiosidade sobre o autor, tanto quanto pela obra. A resenha prometida ao Jornal Opção ficará defasada, porque outros já escreveram sobre o livro. Único romance previsto para leitura neste ano.

8) “Vanguarda europeia & modernismo brasileiro” (José Olympio, 658 páginas), de Gilberto Mendonça Teles.

Outro livro na minha lista de “atrasados”. Por causa da Semana de 22, e como co-entrevistador de Gilberto Mendonça Teles para o Jornal Opção, estou lendo essa obra, que atingiu a fenomenal 21ª edição em uma editora nacional, a José Olympio. Edição ampliada de clássico do autor, traz uma apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas.

9) “Agricultura no Brasil do Século XXI” (Metalivros, 295 páginas), de Evaristo Eduardo de Miranda.

Vou ler essa obra como parte das pesquisas para o livro “Agricultura Familiar e Agronegócio”, que organizo com o doutor Sandro Dutra e Silva para a Coleção Goiás +300. O engenheiro agrícola Evaristo Eduardo de Miranda, da Embrapa, traz um panorama da agricultura brasileira no Século XXI, em um livro denso e bem ilustrado.

10) “Vastos sertões – História e natureza na ciência e na literatura” (Mauad/Fapeg, 332 páginas), organizado por Sandro Dutra e Silva, Dominichi Miranda de Sá e Magali Romero Sá.

Este livro discute a forte simbologia da história nacional, por meio da associação entre a construção do país e conquista da natureza. O primeiro organizador, Sandro Dutra e Silva, pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UniEvangélica, é um dos maiores nomes da atualidade no tema História Ambiental.

11) “Males do sertão – alimentação, saúde e doenças em Goiás no Século XIX” (Cânone Editorial, 228 páginas), de Sônia Maria Magalhães.

Este livro de história e sociologia, traz um panorama socioeconômico e epidemiológico de Goiás durante o século XIX, com foco nas relações entre alimentação e doenças. A capa atraente e a edição cuidadosa são um convite à leitura.

12) “O século XX em Goiás – o advento da modernização” (Cânone Editorial, 154 páginas), de Cristiano Arrais, Eliézer Oliveira e Tadeu Arrais.

Livro da “safra” de novos e bons historiadores de Goiás. Apresenta a economia, a sociedade, a política e a urbanização de Goiás no Século XX.

Coleção Goiás +300: os próximos seis livros serão lidos como atribuição profissional dessa coleção, onde atuo como coordenador e editor-geral. No livro “Agricultura familiar e agronegócio”, sou também organizador.

13) “Povos afrodiaspóricos e africanidades”, está sendo organizado por Thaís Marinho (PUC Goiás) e Marta Quintiliano.

14) “Povos originários”, organizado por Poliene Bicalho (UEG), Marlene Moura (PUC Goiás) e Vanessa Karajá.

15) “Literatura”, organizado por Goiandira Ortiz de Camargo (UFG) e Bento Fleury (Icebe)

16) “Cronistas e Viajantes”, organizado por Lenora de Castro Barbo (Icebe) e João Guilherme Curado (IHGG)

17) “Educação em Goiás”, organizado por Fernanda Barros (UFG).

18) “Agricultura familiar e agronegócio”, organizado por Sandro Dutra e Silva (UniEvangélica/UEG) e por mim.

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Reinaldo Barreto

Advogado e sócio do escritório Cançado & Barreto Advocacia

Eis a minha lista de leituras, que acabará por ser complementada, durante o ano, pelos lançamentos das várias editoras. Portanto, quase toda lista é provisória.

“Doze Césares — Imagens de Poder do Mundo Antigo ao Moderno” (Todavia, 464 páginas, tradução de Stephanie Fernandes), de Mary Beard. A professora da Universidade de Cambridge investiga imagens e representações dos césares da Roma Antiga e suas influências de poder ao longo de 2 mil anos.

“Biografia de Lisboa” (A Esfera dos Livros, 524 páginas), de Magda Pinheiro. Trata-se da história da cidade desde a lenda de Ulisses, passando pelos descobrimentos, a ocupação árabe, até os dias atuais.

“Samuel Wainer — O Homem Que Estava Lá” (Companhia das Letras, 576 páginas), da jornalista Karla Monteiro. É um perfil seminal desse personagem ímpar da história da imprensa e da política do país. Ele criou o jornal “Última Hora” e enfrentou a fúria tanto de Carlos Lacerda quanto de Roberto Marinho.

“Volta ao Mundo — Um Guia Irreverente” (Intrínseca, 464 páginas, tradução de Livia de Almeida), de Anthony Bourdain e Laurie Woolever. São relatos de duas décadas de viagens ao redor do mundo pelos olhos do famoso chef, escritor e apresentador de tv que se suicidou em 2018, aos 61 anos.

“A Era do Niilismo — Notas de Tristeza, Ceticismo e Ironia (Globo Livros, 160 páginas), de Luiz Felipe Pondé. O filósofo (também formado em Medicina) avalia tais sentimentos como o espírito de nossa época. Ele escreve com clareza, sem jargões acadêmicos.

“Paixão Segundo Mateus” (Nova Fronteira, 184 páginas), de Carlos Heitor Cony. Romance póstumo inédito do premiado escritor colunista de grandes jornais e comentarista da CBN falecido em 2018.

“A Vida Futura” (Companhia das Letras, 168 páginas), de Sérgio Rodrigues. O autor imagina Machado de Assis e José de Alencar visitando o Rio de Janeiro de 2020 e se envolvendo em discussões sobre milicianos e debates identitários, com sarcasmos e erudição.

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Euler de França Belém

Jornalista, editor-chefe do Jornal Opção

A única coisa que peço aos leitores: não leiam esta lista. É grande demais.

A minha lista de leitura para 2023 é, como todas as outras (as minhas), penelopiana. Porque, com os lançamentos, é desfeita aqui e acolá, e nem sempre as obras arroladas são lidas. Como o caçador solitário de buenas cosas, estou à espera, de orelha em pé e olhos de lince, das biografias de Millôr Fernandes, o filósofo do humor (está sendo escrita por Paulo Roberto Pires, autor da excelente biografia do editor Jorge Zahar); de Leonel de Moura Brizola, por Karla Monteiro; do pintor Di Cavalcanti, por Marcelo Bortoloti; do compositor e cantor Cartola, por Luiz Fernando Vianna, e de Carlos Lacerda, por Mário Magalhães. É provável que a pesquisa do biógrafo de Marighella saia apenas em 2024. Estou à espreita.

Há programações que, mesmo forçando a barra, não consigo cumprir, como a releitura da obra de Graciliano Ramos, de Carlo Emilio Gadda (italiano de primeiríssima linha) e William Kennedy (escritor americano que leio com prazer) e a leitura dos romances recentes do grande Julian Barnes (tão bom quanto Ian McEwan e Martin Amis).

Julian Barnes é autor de “O Homem do Casaco Vermelho” (Rocco, 272 páginas, tradução de Lea Viveiros de Castro). É a história real e imaginada de Samuel Jean de Pozzi, pioneiro da moderna ginecologia e amigo de Marcel Proust (por sinal, vale uma zapeada na nova tradução de sua obra pela Companhia das Letras; saíram dois volumes, com tradução de Mario Sergio Conti e de Rosa Freire d’Aguiar).

Gostei tanto de não gostar de ler Annie Ernaux que vou reler a prosa de Patrick Modiano, quiçá “Ronda da Noite” (Rocco, 128 páginas, tradução de Herbert Daniel) ou “Dora Bruder” (Rocco, 144 páginas, tradução de Márcia Cavalcanti Ribas Vieira).

Li “O Passageiro” (Alfaguara, 391 páginas, tradução de Jorio Dauster), de Cormac McCarthy, e espero ler “Stella Maris”, o segundo romance da série, em 2023.

Meu amigo Marevan pergunta para o meu amigo Renitec: “Por que o Euler não lê toda a obra de Joyce Carol Oates, pela qual é apaixonado há anos?” Deixo a resposta para o meu amigo Trezor: “Ora, ele tem 61 anos e, se ficar lendo apenas Oates, que tem uma obra imensa, inclusive sobre boxe, não fará mais nada na vida”. Ben trovato; portanto, nada a acrescentar. Exceto que li o opúsculo a respeito da arte de boxear… é muito bom. O romance “A Filha do Coveiro” (Alfaguara, 600 páginas, tradução de Vera Ribeiro), da escritora americana, é tão doloroso quanto belo.

Meu neurônio Natalia Ginzburg (“Léxico Familiar”, Companhia das Letras, 256 páginas, tradução de Homero Freitas de Andrade) disse para meu neurônio Elsa Morante (“A Ilha de Arturo — Memórias de um Garoto”, Carambaia, 384 páginas, tradução de Roberta Barni): “Fuja de Elena Ferrante”. Como tenho o maior respeito pelos dois neurônios, que são influenciados pelas duas escritoras italianas, passo ao largo da prosa da escritora que dizem “secreta” (de secreto, afianço, só Homero). Do meu ponto de vista, por certo radicalizado, a prosa de Morante supera a de Moravia, ambos começando com “M” e terminando com vogais, e ainda por cima contêm sete letras.

Há livros que não se sabe se são bons, mas a intuição sugere que são aos menos razoáveis. As memórias de Francisco Dornelles, “O Poder Sem Pompa” (Topbooks, 267 páginas), entraram quase à força na minha lista, dado meu interesse por história. O livro resultou de um depoimento à jornalista e escritora Cecília Costa.

O pai do mineiro Francisco Dornelles era primo de Getúlio Vargas e se casou com uma irmã de Tancredo Neves. Aí já é meia história. Mas o advogado-especializando em finanças públicas na Universidade de Nancy, na França, e em tributação internacional em Harvard, nos Estados Unidos, foi professor, ministro dos governos Sarney e FHC, deputado federal (cinco mandatos), senador, governador.

As memórias de Dornelles só saem de minha lista se eu ganhar na Mega-Sena, pois não sei se levarei o livro para uma ilha, a Pérfida Albion. Só levarei Candice, os gatos, os cachorros e, claro, a obra completa de Graciliano Ramos, o maior escritor patropi. Voltarei aos 100 anos, com o objetivo de ler a obra completa de Paulo Coelho, que, sugerem neurologistas, só pode ser bem compreendida por quem tem Alzheimer.

A lista incluirá “Poder Camuflado — Os Militares e a Política, do Fim da Ditadura à Aliança com Bolsonaro” (Companhas das Letras, 416 páginas), de Fabio Victor. A publicidade do livro assinala: “Este livro urgente mostra como a questão militar ainda representa um dos maiores desafios para o equilíbrio das instituições em nossa sociedade”. Portanto, obrigatório, incontornável. Entra na fila, em ordem unida, talvez em quinto lugar.

Caetano Galindo, sabe-se, é um tradutor de primeira linha. Ele está pondo James Joyce no português moderno do país, mas, claro, sem torná-lo jornalista, mero relator do cotidiano. “Ulysses”, falando nisso, é a narrativa, sob a batuta da linguagem modernista, do cotidiano de Leopold Bloom. O mestre da tradução lança um livro que ganhou espaço na minha lista: “Latim em Pó — Um Passeio Pela Formação do Nosso Português” (Companhia das Letras, 232 páginas). O português-brasileiro é mais falado que o português de Portugal e países africanos, como Moçambique e Angola. Nós brasileiros certamente reinventamos a nossa base, o Latim, como também o português do país de Fernando Pessoa e Lobo Antunes. Mas somos, na estrutura, todos filhos do Latim.

Minha biblioteca conta com mais de 500 livros sobre o nazismo e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), incluindo a participação do Brasil na luta em território da Itália. O nazismo e o comunismo são as duas grandes tragédias do século 20, responsáveis, juntos, pela morte de mais de 100 milhões de pessoas. Às vezes planejo parar de ler sobre o assunto, mas me parece impossível. Primeiro, porque sempre saem livros magníficos sobre o tema. Segundo, porque a vocação totalitária está sempre em voga, à esquerda e à direita, então não há como escapar da História. Por isso, coloquei, na terceira fila, o livro “A Revolução Cultural Nazista” (Da Vinci Livros, 264 páginas, tradução de Clóvis Marques), de Johann Chapoutot.

A editora informa: “Ao explorar pontos como a leitura do estoicismo e de Platão no Terceiro Reich, o uso de Kant e de seu imperativo categórico ou a recepção do direito romano na Alemanha, Johann Chapoutot demonstra como se operou essa reescrita da história do Ocidente. Foi a partir dessas tentativas de alterar o modo de pensar dos alemães que os nazistas passaram a acreditar que tinham o poder de atuar livremente para alcançar seus objetivos. Graças à reescrita da lei e da moral, tornou-se legal, moral e natural oprimir e matar. Tratava-se agora de um direito dado pela superioridade do homem alemão. Com este livro, Chapoutot apresenta um estudo profundo sobre as ideias necessárias para uma transformação tão radical a ponto de naturalizar o extermínio de milhões de pessoas; ideias que pavimentaram os crimes nazistas e que, ainda hoje, servem a projetos de revolução conservadora e reacionária”.

Li, recomento e vou reler este ano o livro “Guerra Cultural e Retórica do Ódio — Crônicas de um Brasil Pós-Político” (Caminhos, 464 páginas), de João Cezar de Castro Rocha, um intelectual do primeiro time. Pautei entrevistas com João Cezar, e incentivei a redação do Jornal Opção a conhecer suas ideias. Muito do que escrevi e escrevo sobre o momento atual devo às suas ideias e reflexões. O bolsonarismo poucas vezes foi escrutinado tão bem quanto neste livro (e em outros textos do autor).

Cresci ouvindo de meu pai, Raul de França Belém, que um parente, o tenente Benvindo Belém de Lima, havia combatido o nazifascismo na Itália. Ele sofreu ferimentos e morreu jovem, aos 32 anos. Pouco sei a seu respeito. Em novembro de 2021, estive em Belo Horizonte e visitei a bela Rua Benvindo Belém de Lima. Em Goiás, que eu saiba, não se fez nenhuma homenagem ao oficial. No Tocantins, em Pindorama, há um busto. E só. Tudo indica que 111 goianos participaram da luta contra os alemães na terra de Dante Alighieri e alguns, como Aldemar Ferrugem, pereceram e foram enterrados em Pistoia.

Como ainda não pude escrever a história de Benvindo Belém de Lima, que gostaria de biografar, leio, sempre que possível, livros sobre brasileiros que lutaram contra os nazistas de Adolf Hitler. Por isso, entrou para a minha lista “Soldado Silva — A Jornada de um Brasileiro” (Livros de Guerra, 128 páginas), de João Barone.

O soldado Silva é pai de João Barone, que nos tem brindado com bons livros a respeito da participação de brasileiros na guerra. Silva lutou na Itália.

A elite cultural que fez a Semana de Arte de Moderna de 1922 foi financiada pela elite econômica de São Paulo. O empresário Paulo Prado, por exemplo, esteve na linha de frente. A professora da Unicamp Maria Eugenia Boaventura vasculha a vida de outro patrocinador do modernismo: “Couto de Barros — A Elite nos Bastidores do Modernismo Paulista” (Ateliê Editorial, 352 páginas). Antônio Carlos Couto de Barros “ajudou a fundar a primeira revista modernista, ‘Klaxon’, organizada e administrada no seu escritório, na Rua Direita, em sociedade com Tácito de Almeida. Formou nova dupla de sucesso com Alcântara Machado para fazer outra importante revista, a ‘Terra Roxa e Outras Terras’”, em 1926.

Como deixar escapar “Evguiéni Oniéguin” (Penguin-Companhia das Letras, 304 páginas, tradução de Rubens Figueiredo), romance em versos de Aleksandr Púchkin? Missão impossível. Li três versões, duas brasileiras e uma portuguesa, todas a partir do russo. Porém traduções sobre clássicos reverberantes nunca são de mais, sempre são de menos.

Em sã consciência os leitores, os bons eleitores, também não podem deixar escapar “Antígona” (Penguin-Companhia das Letras, 232 páginas, tradução de Lawrence Flores Pereira), de Sófocles. A leitura (ou releitura) vale pela história, que parece ter sido escrita ontem, dada a continuidade da vida, que se repete com novos personagens, e pela tradução de Lawrence Flores Pereira.

Jorge Ferreira é autor de uma estupenda biografia de João Goulart, que o situa bem na história do país; não o endeusa, mas também não o diminui (o que faz Marco Antônio Villas, noutra biografia). Agora, o doutor em história pela USP volta às livrarias com a obra “Elisa Branco — Uma Vida em Vermelho” (Civilização Brasileira, 266 páginas).

Costureira em Barretos, São Paulo, era militante do Partido Comunista Brasileiro e ativista pela paz. Em 7 de setembro de 1950, durante um desfile militar em São Paulo, Elisa Branco foi presa porque abriu uma faixa contra o envio de militares patropis à Guerra da Coreia (era uma guerra asiática e americana). O mundo descobriu a comunista e lutou por sua liberdade. A União Soviética concedeu-lhe o Prêmio Stálin da Paz (claro, não cheira nada bem a junção Stálin & paz; o ditador nunca foi pacifista, exceto quando lhe interessava), em 1952.

Apesar disso, Elisa Branco foi “apagada” da história, inclusive pelo PCB. Agora, pela pena de Jorge Ferreira, a comunista volta à história, ganhando um lugar, o seu.

A Ucrânia está na “moda”, sofrida, mais uma vez, sob a violência das botas dos russos de Vladimir Putin, o “czar” violento, perigoso (seus adversários têm o hábito estranho de se suicidarem) e venal. “A Fortaleza de Wira” (InterSaberes, 214 páginas), de Anderson Prado e Henrique Schlumberger Vitchmichen, conta a história da ucraniana Wira Kloczak.

Nascida em 1923, Wira Kloczac passou fome — a que matou cerca de 3,5 milhões de ucranianos, no que ficou conhecido como Holodomor —, mas resistiu à barbárie do regime de Ióssif Stálin.

Há um livro denso sobre o Holodomor: “A Fome Vermelha — A Guerra de Stálin na Ucrânia (Record, 584 páginas, tradução Joubert de Oliveira Brizida), de Anne Applebaum.

Uma vez me perguntaram, não sei se João Fidelis ou Serafim-Dito, quem era o maior ator brasileiro. Não soube responder de imediato, pois há vários muito bons

Pedro Paulo Rangel, Paulo Autran, Matheus Nachtergaele (um gigante), Selton Mello, Raul Cortez, Paulo José, Walmor Chagas são atores do primeiro time. Mas o meu preferido é Marco Nanini, que, se interpretar Deus e Diabo, será sempre crível.

Se a beleza põe mesa e pode salvar o mundo, Nanini não tem nada de bonito — tem cara de homem comum. Porém, quando representa, se torna um monstro, dos mais sagrados, e seus papeis, mesmo aqueles que não são estupendos, são quase sempre grandiosos. Imagine fazer um Lineu, o da “Grande Família”, que é um chato de galochas — se ainda se pode usar a expressão passadista —, e ainda roubar a cena de todo mundo. É o que ocorre. Quando Nanini está em cena, a dos outros fica menor — ele “rouba” tudo, de tão espaçoso que é.

Na lista dos livros imperdíveis figura, claro, “O Avesso do Bordado — Uma Biografia de Marco Nanini (Companhia das Letras, 344 páginas), de Mariana Filgueiras. Aviso logo: o preço, R$ 119,90, é salgadíssimo. Como ter leitores neste país com preço tão elevado e bibliotecas defasadas?

Li que Daniel L. Everett, no livro “Linguagem — A História da Maior Invenção da Humanidade” (Contexto, 400 páginas, tradução de Maurício Resende), “reinventa” a linguística e, portanto, Noam Chomsky. Ele coloca Chomsky no chinelo, me disseram.

Alguém que sugere que Chomsky está “superado”, ao menos em parte, me interessa, e muito. “A visão de Chomsky de que linguagem é nada mais nada menos do que uma gramática recursiva é altamente peculiar. [A linguagem]… é um combinação de forma, gestos, significado e altura da voz. A gramática auxilia a linguagem, não é a própria linguagem”, afirma Daniel Everett.

De acordo com Daniel Everett, a linguagem surge com o Homo erectus, e não com o Homo sapiens.

Tu sabes quem é o maior romancista de Cuba? José Lezama Lima. Você sabe quem é o maior poeta de Cuba? Lezama Lima.

Mais conhecido no Brasil pelo romance “Paradiso”, espécie de “Grande Sertão: Veredas” da ilha, Lezama Lima — um escritor e intelectual independente, daí a Revolução Cubana ter tentado (em parte) “apagá-lo”, sem conseguir, porque não se cancela um deus — é um grande poeta.

A poesia de Lezama Lima pode ser conferida na antologia poética “Dupla Noite” (Demônio Negro, 174 páginas, com tradução de Mariana Ianelli e Adriana Lisboa). O cubano também é um ensaísta brilhante.

Na primeiríssima fila, ao lado do livro de Lezama Lima, está “Sob os Tempos do Equinócio — Oito Mil Anos de História na Amazônia Central” (Ubu, 224 páginas), de Eduardo Góes Neves, arqueólogo e professor da USP. O livro tem sido comentado como uma espécie de “revolução” nos estudos das civilizações amazônicas, então estou interessadíssimo em vasculhá-lo página a página, grifando e usando marca-texto para destacar os trechos mais relevantes.

Leio a poesia de Yêda Schmaltz (leitura de uma vida), de Lêda Selma (estou apreciando cada vez mais; há leveza e densidade na sua poética), de Valdivino Braz (sua poesia é de excelente qualidade), Carlos Willian (tão bom quanto Pio Vargas, mas, modesto, se coloca à sombra) e Gabriel Nascente (sua poesia, salvo engano, está mais depurada, concentrada).

Na mira “A Nova Utopia” (Quatro Cantos, 160 páginas), de Régis Bonvicino, um dos poetas mais inventivos da atualidade.

O filósofo que mais leio, ao lado de Isaiah Berlin, é o britânico John Gray, que, aos 74 anos, mantém uma produção intelectual incessante. Agora, entrou para minha lista — que está parecendo a viagem de Ulisses rumo a Ítaca — “Filosofia Felina — Os Gatos e o Sentido da Vida” (Record, 140 páginas, tradução de Alberto Flaksman).

Os gatos têm algo a nos ensinar? O pensador de “Cachorros de Palha” avalia que sim. Neste mundo da velocidade incessante, em que todo mundo está plugado, nem que seja à força, os felinos, com sua calma e tranquilidade, fazendo a siesta mesmo quando não estão cansados, podem ser um modelo para nós.

Observo com atenção nossos quatro gatos, Filomena, Josephina Duas Caras (uma bela escaminha), Serafim-Dito e Miguilim-Chaveiro — todos egressos das ruas. Os quatro têm “personalidades” diferentes.

Serafim não tem medo de ninguém, convive até com estranhos e aprecia seguir as pessoas, principalmente Candice, que escolheu para irmã gêmea. O guloso Miguilim é arredio, mas aprendeu a abrir portas, com facilidade. Os demais ficam à espera de sua traquinagem para escapar para o quintal, a Disneylândia da turma. Os dois são “amigos” e têm o hábito de dormir encostados um no outro.

Josephina, uma candanga, não aprecia que as pessoas façam carinho nos seus pelos sedosos e fartos. Ela “escolhe” quando quer fazer carinho nas pessoas, quase sempre em Candice, uma gatófila. Filomena é arredia, adora deitar-se embaixo de lençóis, é rápida como um corisco e come pouco.

Em comum os quatro apreciam dormir, várias horas por dia, em lugares altos, sobretudo em camas, mas também ao lado ou em cima da impressora. Amolam unhas em poltronas, às vezes no meu tênis, que está “desfiando”. Adoram bolinhas de papel. Estão sempre limpos, pois tomam “banho” várias vezes ao dia, com a língua fazendo as vezes de sabonete e bucha. E fazem tudo com calma, não se levantam correndo — exceto se querem pegar alguma coisa, como um pássaro —, dão a impressão de que, quando acordam, antes de descer de onde estão, alongam-se.

De longe, admiro Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia. Talvez o aprecie porque não é o típico economicista, desses que postulam que o crescimento é tudo. O desenvolvimentismo se tornou uma praga, o que não é. Desenvolvimentismo não é o mesmo que minar o Estado, gastando de maneira descontrolada e sem planejamento. O desenvolvimentismo, como o percebo, é a inclusão social daqueles que, de alguma maneira, ficaram para trás. E o Estado existe para reparar as injustiças que, no processo de crescimento, as sociedades criam — excluindo a rodo. O Estado é, por assim dizer, a pilastra dos fracos, dos abandonados. Mas, claro, deve “zelar” por todos, com realismo e percepção de que o mercado não é nenhuma besta-fera.

Nos seus textos, Amartya Sen não fala tão-somente de crescimento. Menciona empatia e sugere que o planejador-especialista, e não só ele, claro, conheça bem o seu entorno, como as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Lembra-me, aqui e ali, Simone Weil. Eu tinha (e tenho) amplo interesse em saber mais sobre a história pessoal do economista (e filósofo, sim). Ele fará 90 anos em novembro deste ano e merece uma biografia decente e nuançada. Enquanto a ampla radiografia não chega, temos um maná nas livrarias: “Uma Casa no Mundo — Memórias” (Companhia das Letras, 472 páginas, tradução de Berilo Vargas), de Amartya Sen (putz!, toda vez que escrevo “Sen”, o word corrige para “Sem”. Se sair “Sem”, me perdoe e acuse o word. Combinado?).

Por que tenho certo apreço por Lula da Silva? (Aprecio até seu realismo político e sua distância dos radicais, que são, por vezes, nefelibatas). Porque noto que há, por parte do presidente, um interesse genuíno pelas pessoas, notadamente pelos deserdados de tudo. O presidente patropi deveria conversar com Amartya Sen ao menos uma vez a cada três meses, inclusive atraindo-o para o Brasil. Governos devem dar assistência, pois há pessoas que não sabem mais “pescar”, mas precisam integrar os pobres de maneira mais ampla. Eles estão “fora” da sociedade e precisam ter oportunidades reais, sob mediação do Estado, para se tornarem cidadãos de fato.



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