Revogação de portaria sobre aborto não muda a lei

A revogação da portaria sobre o aborto feita pelo governo federal no início desta semana gerou muita polêmica nas camadas mais conservadoras da sociedade. Há quem chegou a acreditar que o aborto tinha sido legalizado no Brasil, o que está longe de ser verdade. No Brasil, o aborto é permitido apenas em três situações: quando a gravidez é decorrente de violência sexual, se a gestação oferece risco de vida para a mulher ou se o feto é anencéfalo.

Nesses casos, o procedimento pode ser feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sem a necessidade de uma decisão judicial. É o que manda a lei e isso não mudou com a revogação da portaria. “O aborto é um crime doloso contra a vida e continua sendo proibido no Brasil”, comentou a advogada criminalista Gislaine de Carvalho.

A portaria revogada foi a GM/MS nº 2.561, de 2020, que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS”, editada pelo governo Bolsonaro e que previa que o médico avisasse a polícia em caso de aborto por estupro. Ao justificar sua decisão, a ministra lembrou que o próprio código de ética médica não dá essa orientação.

Além disso, na visão da ministra da Saúde, Nísia Trindade, tal medida feria a previsão de sigilo em atendimentos desse tipo e causar constrangimento pra vítima. “Se a mulher não quis procurar uma delegacia de polícia para fazer o registro de ocorrência, não cabe um médico fazer por ela. Quando a mulher procurava o SUS para realizar um aborto nos casos previstos em lei, ela não recebia de pronto um serviço médico. O hospital se transformava em uma delegacia”, explicou a advogada criminalista.

Gislaine avalia ainda que a portaria já revogada fazia com que a mulher fosse violada mais uma vez pelo próprio Estado. “Essa revogação faz com que se cumpra o Código Penal”, afirmou. Quem confirma essa informação é a delegada Caroline Borges, que lembra que, nesses casos, “o aborto independe de um registro criminal”. Só que ela pondera que a polícia só pode ter conhecimento de um crime para investiga-lo a partir da abertura de um boletim de ocorrência.

Mais polêmica

Além da revogação da portaria, outro movimento do governo de Luís Inácio Lula da Silva (PT) em relação ao aborto se deu na última terça-feira, quando o presidente anunciou que o Brasil não integra mais o acordo internacional do Consenso de Genebra, em defesa da vida, da saúde das mulheres, do fortalecimento da família e da soberania de cada nação na política global. O acordo havia sido assinado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em outubro de 2020.

Em abril de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reafirmou ser contra a prática de aborto e voltou nesse assunto por algumas vezes durante a campanha, inclusive nos debates entre os presidenciáveis. Nessas ocasiões, Lula reforçou que a realização do procedimento deve ser tratada como questão de saúde pública. Pouco antes disso, uma declaração anterior do petista gerou polêmica durante a pré-campanha. Em evento da Fundação Perseu Abramo, Lula defendeu que todo mundo teria direito ao aborto.



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