Bolsonaro está mais sumido que o Queiroz. Ainda bem que o Brasil tem Alexandre de Moraes
Ufa!, ainda bem que o Brasil pode contar com o Supremo Tribunal Federal. Feliz a nação cuja corte suprema cumpre seu papel
Nilson Gomes
O ex-presidente José Sarney já contou diversas vezes sobre os conselhos recebidos em menos de tormenta: dar um autogolpe, confiando em suposto apoio das Forças Armadas. Optou pela normalidade democrática. Décadas antes, o presidente Jânio Quadros caiu em bobagem semelhante e até hoje não chegou das ruas a ajuda esperada (consta que as “forças ocultas” estavam numa garrafa de uísque). Sem o conhecimento político e prático de Sarney e certinho igual aos passados de JQ, o presidente Jair Bolsonaro parece ter ouvido o canto da sereia mais que o funk do Neymar. Está enfurnado em algum lugar à espera da voz rouca do cercadinho contaminar as rodovias e ele sair de debaixo da cama direto para liderar a sublevação que lhe dará o que as urnas negaram dia 30/10, um novo mandato.
Bolsonaro é fruto do PT que agora, num gesto de gratidão, ressuscita Lula Silva. Após as condenações do mensalão e as prisões do petrolão, esperava-se que o PT tivesse seu registro cassado e suas principais lideranças, Lula inclusive, mofassem na cadeia. Ainda bem para os petistas que, em 2018, o então prisioneiro Lula apoiou Fernando Haddad para presidente, não Ciro Gomes. Haddad entrou na campanha para ser derrotado por Bolsonaro, que entrou na chefia do Executivo para facilitar a volta de Lula. Se o PT tivesse apoiado Ciro na eleição passada, ele ganharia, faria bom mandato e estaria agora comemorando a reeleição. Portanto, o País cumpre um script do roteirista Lula. No momento, o filme é protagonizado pelo constitucionalista Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
O governo de Bolsonaro foi bem melhor que o Jair. Nos dois turnos, julgou-se o que disse, não o que fez. E ele destilou ofensas.
A Covid matou quase 700 mil brasileiros, entre eles o futuro político de Jair. Mais a intenção que os gestos. Comprou meio bilhão de doses de vacina, mas não colocou nos braços nenhuma gota e ainda sujou as mãos investindo em medicamentos inúteis.
Sobreviventes, familiares e amigos das vítimas veem nele a personificação do algoz.
Meu amigo oficial da PM morreu por ser fã do presidente e ele lhe garantir que o Kit Covid evitaria a doença.
Meu familiar morreu porque a vacina não chegou a tempo.
Meu ídolo do cinema não fará “Minha Mãe é uma Peça 4” porque as aglomerações incentivadas pelo presidente espalharam o vírus.
Veio a CPI de Aziz, Renan e Tebet e colocou rostos e dados nas desconfianças.
Findava-se, assim, a possibilidade de reeleição.
Faltava enterrá-la.
O defunto se encarregaria de ser o coveiro com faixa verde-amarela, apesar da negação.
Cada asnice proferida era uma pá de cal no buraco da bala de prata.
No cortejo pela Alameda Lorena em São Paulo e na estrada Juiz de Fora-Rio de Janeiro, a cruz de caravaca foi fincada no coração da candidatura de Bolsonaro pelas mesmas armas e personagens que catapultaram sua fama entre os valentões.
No domingo anterior à votação, um fantasma que Bolsonaro recuperou das catacumbas, Bob Jeff, passou de escroto domiciliar a autor de quatro homicídios tentados a tiros de fuzil e explosão de granadas com requinte de crueldade: a perícia investiga para confirmar se realmente colou pregos nas bombas para torná-las mais letais.
O vidro blindado da viatura da Polícia Federal, com uma poça do sangue de um delegado e a cabeça ferida de uma agente, viraram pra vertical, de cabeça pra baixo, o cadáver da reeleição.
Uma semana depois, horas antes de abrirem as seções eleitorais, chegaram a milhões de indecisos os vídeos de outra cria de Bolsonaro, a deputada federal Carla Zambelli, e seus seguranças policiais militares à paisana correndo de armas na mão atrás de um jornalista negro.
O Centrão salvou Bolsonaro do impeachment inadiável com a engenhosa ideia do orçamento secreto.
O Centrão deu sobrevida a Bolsonaro ao, em tempo recorde, inventar e aprovar o Auxílio Brasil de R$ 600.
Mas nem o Centrão, que tudo pode, conseguiu livrar Bolsonaro de si e de seus próximos.
Volta à cena outro personagem, o Mau.
Bolsonaro foi militar ruim, vereador péssimo, deputado federal inútil e presidente complicado.
Bom apenas para filhos e alguns chegados, como dois ex-PMs do Rio de Janeiro, Adriano Nóbrega (chefe do Escritório do Crime) e Fabrício Queiroz (chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio).
Concluiu a transposição do Rio São Francisco, iniciada no Império e que o PT deixou faltando um bem ali de baiano.
Acabou com o Horário de Verão e a roubalheira na Petrobrás.
Tirou do papel o Pix, bolado no governo Temer.
Estancou a bandalheira nos dois primeiros anos de relação com o Congresso.
Excluiu vereadores e prefeitos da rota entre os pobres e os benefícios federais.
Isso.
Só isso.
Pouco mais que isso.
Pouco, mesmo.
Foi isso o governo Bolsonaro.
Que acabou às 8 da noite do recente domingo de segundo turno.
Desde então, Bolsonaro deixou de ser fato e virou flato, fumaça de pito flácido, ninguém o acha.
Oportunistas, pequenos grupos de donos de transportadoras aproveitaram para dar ordens no País. Puseram à frente o peito de caminhoneiros seus funcionários e determinaram que parassem os colegas. O abastecimento do Brasil que se dane.
A omissão de Bolsonaro foi calculada. Repetindo Jânio em 1961 e o PDS goiano em 1982, Jair esperava os votos do Norte e o apoio popular. Ficou sem ambos.
A melhor revelação é mesmo Alexandre de Moraes. Antes restrita a livros, sua sabedoria foi adaptada ao serviço público. Mexa com nossa democracia, viole a estabilidade da Pátria, da família, das liberdades, inclusive a religiosa, que a gente chama o Alexandre
Bolsonaro conta com:
1) empresários que vivem de subsídios
2) caçadores, atiradores e colecionadores de armas, os CAC
3) garimpeiros em área de preservação ambiental
4) líderes religiosos levados no bico por fake news e gratificados com perdão de R$ 2 bilhões em dívidas
5) cantores de músicas débeis e cachês milionários arrancados de cofres municipais esquálidos
6) alguns nichos de produtores rurais grilados com falas de Lula (que é um Bolsonaro pra dizer asneira) e gratos pelo que Bolsonaro liberou de agrotóxicos e verbas (bancos oficiais e fundos constitucionais são praticamente inteiros deles)
7) parte dos militares de polícias, bombeiros e Forças Armadas
8) Rede Record, SBT, Band, Jovem Pan e mequetrefes, como blogueiros, youtubers etc.
9) determinados parlamentares, prefeitos e governadores.
Dessa turma, os religiosos e a imprensa foram os primeiros a pular do Titanic no Paranoá.
Os chefes de Executivo bolsonaristas estão virando Lula desde que ele era apenas um molusco companheiro do Bob Esponja.
Deputados e senadores entrarão no lulismo antes de o galo da madrugada cantar três vezes.
Os artistas rapidamente vão aderir às burras da Lei Rouanet.
Resumindo, a solidão de Bolsonaro é preocupante; a ausência, não. Afinal, a República independe de presidente. Seu timoneiro pode ser, por exemplo, um ministro do STF. No caso, Alexandre de Moraes.
O nome provoca cicatrizes na face oculta de alguns e vermelhidão na cara sem-vergonha de outros.
Alguém precisa conter a mentiraiada nas redes sociais? Deixa com Alexandre.
O condenado indultado Daniel Silveira, mais completa tradução das Indústrias Bolsonaro de Políticos Menores que os Cargos, grava vídeos racistas e atenta contra a ordem democrática? Xandão nele.
Bob Jeff leva a seu esgoto a honra de gente que presta? Providências com o Super Alexandre.
E assim está sendo.
A Polícia Rodoviária Federal preferiu estragar sua ótima fama de campeã em apreensão de drogas porque algum chefete resolveu pactuar com desordeiros da estrada? Chama Alexandre de Moraes.
Ufa!, ainda bem que o Brasil pode contar com o Supremo Tribunal Federal. Feliz a nação cuja corte suprema cumpre seu papel.
Bolsonaro gritou em praças e estúdios que Lula está solto graças a amigos seus no Supremo. Seus, do Lula. E também seus, do Bolsonaro. Sim, um de seus indicados, Kassio Marques, livrou Lula das condenações.
Péssimo militar, parlamentar e gestor, Bolsonaro trouxe das profundezas para o Planalto seres do quilate de Pazuello, Damares, Daniel Silveira, os irmãos Weintraub, Salles Boiada, Kicis, Zambelli… Para equilibrar, revelou também no primeiro escalão Sergio Moro, Tarcísio de Freitas e Tereza Cristina, felizmente eleitos senador no Paraná, governador de São Paulo e senadora pelo Mato Grosso do Sul.
No entanto, a melhor revelação é mesmo Alexandre de Moraes. Antes restrita a livros, sua sabedoria foi adaptada ao serviço público.
Mexa com nossa democracia, viole a estabilidade da Pátria, da família, das liberdades, inclusive a religiosa, que a gente chama o Alexandre.
Nilson Gomes é advogado e jornalista.