Exclusivo: Quadrilha usa redes sociais para vender CACs, portes e posses de armas

Pedro Moura

Astutos, objetivos e só atendem ligações de clientes de confiança, com quem já fecharam negócio. Em poucas palavras descrevem a mercadoria e escancaram o valor, mas garantem que é de ‘qualidade’. Assim agem os criminosos responsáveis pelo mercado ilegal de fabricação e venda de documentos falsos pela Internet, onde são oferecidos documentos públicos e privados como o registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC), além do porte e posse de armas de fogo.

O Jornal Opção acompanhou de perto, por uma semana, o mercado ilegal da venda de documentos falsos por meio das redes digitais como o Facebook e WhatsApp. Em meio a enxurradas de anúncios de CNHs, títulos de eleitores e até certificados de escolas e diplomas falsos do ensino superior, o repórter encontrou uma mulher que se identificou como Ana, oferecendo documentos como CACs, portes e posses de arma, que são expedidos pelo Exército Brasileiro e pela Polícia Federal (PF).

Tabela compartilhada no grupo com preços de documentos falsos | Foto: Reprodução

Ao conversar com a criminosa do Tocantins, aparentemente líder de uma quadrilha especializada neste tipo de crime, foram oferecidos documentos por um valor 900% maior do praticado no mercado legal. Um CAC, por exemplo, sairia por R$ 600, sendo que para conseguir o documento dentro dos parâmetros da lei o valor gira em torno de R$ 60.

Já a posse e o porte custariam ao repórter, que se passou por uma pessoa em busca de documento falso, a bagatela de R$ 500 e R$ 1.200, respectivamente. Porém, a criminosa alerta para que o repórter também leve o CAC ‘válido’, visto que o falso pode ocasionar problemas. No entanto, o preço mais que dobra, passando para R$ 1.400.

“O CAC tá R$ 1.400, mas a partir de quarta volta o valor normal de R$ 2.300. O falso às vezes dá problemas, às vezes não. Se eles checarem (se referindo a polícia), ver que é falso, pode dar problemas. Agora o válido pode usar normal igual as CNHs (falsas). Ele é facilitado, não precisa fazer teste”, explicou Ana.

Quadrilha

Ao ser questionada sobre a demora para produzir o documento, a mulher diz que a entrega é feita em até dois dias por meio de arquivo PDF, e que o pagamento ocorre apenas no ato da entrega. No entanto, o comprador também pode retirar, por sua conta e risco, o documento de forma presencial com despachantes que participam da quadrilha.

No estado de Goiás, por exemplo, Ana aconselhou o repórter a procurar pelo despachante Marcelo, em Trindade. No endereço em que a criminosa pediu para procurar pelo parceiro consta o nome de um Pet Shop.

Quadrilha deu localização de Pet Shop em Trindade para entregas de documentos falsos | Foto: Reprodução

“Material é quente, só tem que preencher a ficha. Tenho alguns despachantes no Brasil que fazem o esquema. Para esse tipo de serviço, eles só atendem por indicação. Tem que chegar lá e dizer que foi indicado pela Ana. Fale somente com o Marcelo, os outros funcionários não fazem esse tipo de serviço e pode dar problemas”, aconselhou.

O repórter chegou a procurar Marcelo, mas foi informado de que ele estava em uma viagem e que voltaria apenas no ano que vem.

Consequências

Para o psicólogo forense, Shouzo Abe, o uso de armas de fogo por pessoas que usam o documento falso, sem ter passado pelos exames psicológicos, representa um período para a sociedade. Isso porque o portador pode acabar provocando uma tragédia devido a algumas questões como: a falta de controle emocional e a imprudência.

“Estamos diante de uma pessoa que não tem a segurança de uma saúde mental adequada. Ou seja, ela pode usar essa arma de uma forma muito prejudicial. Tem crianças e adolescentes, por exemplo, que podem fazer um grande estrago. Há pessoas adultas que também podem provocar isso. É necessário uma fiscalização muito rigorosa”, explicou.

Crimes

Segundo o delegado Davi Freire, a prática pode configurar ao menos quatro crimes: organização criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso e porte ilegal de arma de fogo. O investigador afirmou ainda que a semelhança entre os documentos falsos e verdadeiros tem chamado a atenção da polícia.

“A pena para esse tipo de crime pode chegar a seis anos de prisão. Quem compra esse tipo de documento usa ele, não é para ficar guardado na carteira. Ou seja, ele também pode ser preso e cumprir a mesma pena do falsificador. Mesmo que esses crimes sejam praticados no âmbito cibernético, ele deixa vestígios. Os principais alvos são os administradores destas páginas”, concluiu.

Todo o material levantado pelo Jornal Opção foi encaminhado à Polícia Civil (PC).



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