Por falta de recursos, mães chegam a vender crianças por R$ 4 mil em Goiás
Mães que não conseguem arcar com os gastos de criar um filho estão vendendo bebês ou os entregando como mercadorias em todo país, inclusive, em Goiás. A chamada adoção à brasileira, bastante comum no país, faz parte da realidade vivida por muitas famílias foi acompanhada de perto pelo Jornal Opção.
Durante duas semanas, o repórter se infiltrou em grupos de redes sociais como WhatsApp e Facebook, a fim de acompanhar esse processo ilegal de adoção. A reportagem se passou por uma mulher em busca de filho adotivo e chegou a negociar com uma mulher grávida de seis meses, ‘encomendando’ um bebê por R$ 4 mil.
Camila Dias, como se identificou a mulher de São Miguel do Araguaia, explicou que não tinha condição de criar o bebê por já ter outros três filhos. Mãe solteira, ela pediu ajuda durante a gestação e se dispôs a vir à Goiânia para seguir com o pré-natal até o nascimento da criança e, consequentemente, a entrega do bebê ao repórter.
“Quanto você poderia me ajudar financeiramente até a criança nascer? E depois da dar a luz? Vê um valor ai e a gente negocia. Estou sem saída e tenho certeza que você vai cuidar bem da criança. Filho é bênção mesmo sendo a gente que gerou ou não. Até porque mãe e pai é quem cria”, justificou Camila.
Mercado
Nos grupos, as mulheres de diferentes estados brasileiros, se identificam como adotantes e BIO’s (doadoras ou vendedoras de crianças). Durante as conversas, elas enviam uma série de mensagens anunciando crianças que já nasceram ou que ainda estão por vir, com foco em mulheres que alegam não conseguir ter filhos e que estão em busca de uma criança para adotar.
Assim como Camila, mãe que negociou com a reportagem, as BIO’s dizem não ter dinheiro para criar o filho que não foi planejado. As adotantes, por outro lado, afirmam ter condições financeiras para dar ‘boa vida’ à criança, oferecendo dinheiro para ajudar na gestação e uma quantia maior para que a criança seja entregue.
Outras apenas dizem que vão ajudar durante a gestão, pagando exames e consultas, além de arcar com a locomoção da ‘BIO’. Parte das mulheres procuram meninas, outras meninos, mas a maioria diz não ter preferência por sexo. Durante as longas conversas, elas trocam conselhos e até pedem ajuda para escolher o nome do ‘filho’.
Ao serem questionadas pela reportagem, elas falaram que escolheram a opção ilegal por não aguentar mais esperar na fila de adoção. Espertas, as mulheres evitam falar sobre o preço pago às mães que entregam os bebês.
“Falar sobre esse assunto é muito perigoso, principalmente pelo WhatsApp. A gente nunca sabe quem está do outro lado acompanhando a conversa. Há muitos relatos de pessoas que foram presas por comprar e vender crianças, então é bom evitar. Esses dias, em São Paulo, um homem foi preso após comprar o filho de uma usuária de drogas por R$ 5 mil”, explicou uma adotante.
Adoção à brasileira
A adoção à brasileira, segundo a titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) de Goiânia, Caroline Borges Braga, consiste no reconhecimento voluntário por parte dos pais (ou de apenas um) da paternidade de um filho alheio. Desse modo, deixam de seguir os procedimentos legais exigidos em um processo de adoção.
Ela conta que a prática também ocorre quando, por exemplo, um homem se casa com uma mulher que já tem um filho de outra relação e decide registrá-lo em seu nome, como se fosse seu. Também acontece quando a mãe, por qualquer motivo, entrega o recém-nascido a pessoas que o reconhecem como filho biológico.
Esse tipo de adoção, porém, é considerada crime, sendo que a pessoa que adota ou doa a criança pode pegar pena de até seis anos, além de multa. Vale lembrar que a prática priva a criança de todos os direitos previstos pelo Estado para um processo de adoção.
Já as pessoas que decidem comprar o bebê podem ter uma pena menor, mais precisamente de até quatro anos. O adotante, por outro lado, também pode responder por falsidade ideológica.
“Essas crianças estão expostas a todos os tipos de riscos, visto que estão sendo entregues a um desconhecido. A pessoa pode falar que tem o sonho de ser mãe ou pai, mas também pode ter segundas intenções. Essa criança, inclusive, corre risco de ser submetida a todo tipo de agressão e exploração, até mesmo à exploração sexual infantil”, concluiu.
Impactos
Para a psicóloga Juliana Hanuum, as crianças entregues ou vendidas podem desenvolver problemas psicológicos. Elas podem entrar em uma fase chamada angústia de separação, conforme a especialista.
“O modo como são entregues, separadas da família de origem pode acarretar em diversos traumas futuros, como Síndrome do Pânico e ansiedade. A criança também pode desenvolver dificuldades de retornar ao ambiente para entender o que aconteceu”, disse.
Perigos
O ambiente digital pode representar perigos não só as crianças, como também as doadoras e as BIO’s, conforme o presidente da Comissão de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cristiano Moreno. Ele conta que as redes digitais são rodeadas de criminosos, como pedófilos.
Cristiano também reforça que o processo de adoção é rigoroso, diferente do meio ilegal mostrado na repórtagem. Para realizar uma adoção dentro da lei, os candidatos precisam procurar o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da cidade ou região que reside, levando documentos pessoais.
Entre os documentos estão comprovante de renda e de residência, atestados de sanidade física e mental, certidão negativa de distribuição cível e certidão de antecedentes criminais. Após análise documental é feita a avaliação do candidato pela equipe interprofissional.
“O candidato passa por programa de preparação para adoção, e o requerimento é submetido a análise da autoridade judiciária, só então ocorre o ingresso no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. Essa é a forma legal”, concluiu.
Todo o material levantado foi repassado à Polícia Civil (PC).