Silvye Alves e seu desafio de não ficar refém das pautas da extrema direita

Silvye Alves (União Brasil) é alguém que de fato sabe interagir com o público. Não fosse uma grande comunicadora, não se tornaria fenômeno de popularidade e não chegaria ao topo da votação para a Câmara Federal nas últimas eleições.

Apesar de ter sido eleita pelo União Brasil, a goianiense não pode ser colocada entre as deputadas conservadoras convencionais. Tem posicionamentos firmes, principalmente em relação à defesa das mulheres, e os sustenta nos debates que faz com seus seguidores nas redes sociais.

Poucos desses, no entanto, foram tão acalorados quanto os do dia 8 de março, quando usou as redes sociais para rechaçar o discurso transfóbico de Nikolas Ferreira (PL-MG). Na tribuna do plenário, o deputado colocou uma peruca loira para se dizer com “local de fala” – o termo correto, na sociologia, é “lugar de fala” – e emendar uma série de argumentos para “demonstrar”, segundo ele, que as mulheres estavam perdendo seu espaço para o que chama de “homens que se sentem mulheres”.

É padrão que a extrema direita se valha do simplismo para fazer chegar ao público suas mensagens agressivas (a peruca loira, no caso, compõe esse truque). No púlpito, o deputado disse que esses “homens que se sentem mulheres” estariam tomando o lugar das mulheres e que um pai deveria ter a liberdade de recusar que um “marmanjo de 2 metros” que se sente mulher frequentasse o mesmo banheiro com sua filha – novamente apelando a imagens impactantes e simplistas, buscando gerar o que se convencionou chamar de “pânico moral”.

Dando um exemplo sobre o “perigo” da “imposição” desse tipo de “ideologia”, lembrou que poderia ir para a cadeia por transfobia porque dois anos atrás, como vereador de Belo Horizonte, havia, no mesmo dia 8 de março, ironicamente cumprimentado as mulheres “XX” (as que não têm cromossomos XY, exclusivo de homens biológicos).

Após o episódio na Câmara, Silvye desabafou no Instagram, postando um vídeo com parte da fala de Nikolas e escrevendo: “Meu Deus!!! Inadmissível!!! A sessão solene que fizemos hoje [pelo Dia da Mulher] começou linda e terminou uma vergonha!!!! Não iremos aceitar esse tipo de fala no plenário, muito menos para o Brasil inteiro, @nikolasferreiradm!!! Minha solidariedade às colegas Deputadas @duda_salabert e @hilton_erika!!! Lembrando que TRANSFOBIA é crime!!!!”. Marcados na publicação estavam o próprio deputado e suas colegas trans no Parlamento, Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (PSOL-SP).

Foi o que bastou para receber uma enxurrada de comentários que reforçavam a transfobia. Até o sábado, 11, eram mais de 5,5 mil comentários, grande parte apoiando o deputado. Entre os mais curtidos, pelo menos, a maioria esmagadora de respostas eram defendendo Nikolas, muitos perguntando “qual o crime?”. Silvye foi “acusada” de querer “lacrar”, de ter “virado petista” e de “passar vergonha”.

Silvye não desistiu. Fez outra postagem em seguida, na forma de “textão”:

Vou abrir o debate: você concorda com o discurso do Nikolas, em que mulheres trans prejudicam a sua vida? Digo, você realmente acha que o gênero está tirando o lugar de nós, mulheres. Lembrando que, das 18,6 milhões de mulheres agredidas em 2022, parte é de mulheres trans… Eu já noticiei muita mulher trans assassinada e discursos assim só propagam a dor. Eu não votei no PT, mas não posso aceitar o tom de deboche contra o ser humano.

Ao postá-lo, escreveu abaixo: “Boa noite!!! Deus abençoe vcs!!!! Aquele que me perguntou se eu aceito um murro, vai aqui o meu desprezo e denúncia à Polícia Civil…”, desabafou – ela mesma já vítima de violência, por parte de um ex-namorado.

A escrita da deputada pode parecer confusa, mas foi bem entendida por seus seguidores. Que bateram o recorde da anterior (mais de 6,4 mil comentários) e, claro, não cederam: a maioria absoluta reagiu mal à “tentativa” de defesa das mulheres trans e continuaram do lado de Nikolas e seu discurso “conservador”.

De fato, parte da fala do deputado mineiro recordista nacional de votos para a Câmara na última eleição tem pontos que seriam discutíveis – a presença de mulheres trans em disputas esportivas –, mas o fato de ele usar a data de todas as mulheres, para dividi-las umas contra as outras mostra a que serve seu discurso.

Silvye não tem por que mudar de rumo no que pensa – e, pelo que se conhece dela na TV, não mudará. Está na batalha certa com motivos justos: preservar e defender vidas femininas, não importando se de mulheres cis ou trans.

Uma questão, porém, pesa para qualquer um (ou uma) na política: o risco de perda da base eleitoral. A explosão de votos que teve a apresentadora se deveu a uma (boa) aposta de seu partido, o União Brasil, em um eleitorado que tem um determinado perfil e um recorte de universo que nada se aproximam de pautas ligadas aos direitos LGBTQIA+.

Com seu posicionamento, a deputada certamente ganha mais respeito diante da maioria de seus colegas na Câmara e de boa parte da sociedade. Resta fazer a conta dos votos, para ver se o resultado de seu posicionamento digno e humano fecha com o pragmatismo às vezes amoral das urnas.



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